Page 95 - Os Lusiadas Contados as criancas e lembrado ao povo
P. 95
Camões era um rapaz sem medo e sem cobardia — tudo o que fosse
injustiça o desesperava e indignava. Uma noite, em plena rua, por causa de
uma questão, em que julgou que um dos criados da casa real o ofendera,
desembainhou a espada — todos os fidalgos andavam então de espada à
cinta — e feriu o adversário. Desta vez prenderam-no, e só passado um ano
o libertaram, mandando-o para a índia.
Conheceu o poeta nessa viagem as regiões e os mares por onde Vasco da
Gama passara, e que ele iria descrever n’Os Lusíadas. Desceu o Oceano
Atlântico, dobrou o Cabo da Boa Esperança, e aportou a Goa. A
contemplação dessas paragens, que os Portugueses tinham descoberto e
visto antes de mais ninguém, ensinava-o a avaliar bem o esforço formidável
do povo audacioso e persistente, que fora capaz de vencer todos os perigos
e terrores de tão difícil e arriscada travessia.
Na índia, a sua existência foi tormentosa, embora desempenhasse um lugar
público. Como dizia sempre a verdade aos poderosos, os poderosos
vingaram-se, castigando- -o e prendendo-o. Mas dia a dia, hora a hora, ia
compondo os seus Lusíadas. E a consciência, que decerto já possuía, de
neles celebrar como nunca ninguém fizera, a grandeza e a glória lusitanas,
consolava-o das suas desventuras.
Sempre mais ou menos perseguido pelos seus inimigos, Camões é mandado
para Macau, na China, onde se fundara uma colónia portuguesa. Em Macau,
mesmo perto e em frente do Mar, havia uma espécie de gruta. Para ali
Camões ia escrever o seu poema, e pensar no seu querido Portugal
distante...
Arranjara um companheiro, um criado — o Jau António, que nunca mais o
abandonou até à morte. Foi nessa gruta, olhando o Mar, que o poeta