Page 138 - As Viagens de Gulliver
P. 138
juntos comeriam a uma refeição, o que durante algum tempo me repugnava ver.
Triturava a asa de uma cotovia, com ossos e tudo, entre os dentes, apesar de ser
dez vezes maior que a de um peru bem desenvolvido; e punha na boca um
bocado de pão tão grande como dois pães de doze moedas juntos. Bebia por um
cálice de ouro, com goladas maiores, cada uma, que o conteúdo de uma pipa. As
facas tinham duas vezes o comprimento de uma gadanha colocada direita sobre
o cabo. As colheres, garfos e outros instrumentos estavam todos na mesma
proporção. Lembro-me de que, quando Glumdalclitch me levou, por curiosidade,
a ver algumas mesas de refeição na corte, em que dez ou doze garfos e facas
estavam a ser usados naquele momento, pensei nunca ter deparado até então
com visão tão terrível.
Era costume, à quarta-feira (que, como já atrás referi, era o Dia do
Senhor para eles), o rei, a rainha e a prole real de ambos os sexos jantarem todos
juntos no aposento de Sua Majestade, o rei, de quem me tornara então um
favorito, situando, nestes dias, a minha cadeirinha e pequena mesa à sua
esquerda, na frente de um dos saleiros. Este príncipe gostava muito de conversar
comigo, interrogando-me sobre os costumes, religião, leis, governo e cultura da
Europa, no que eu o informava o melhor que podia. Ele tinha uma capacidade de
apreensão tão lúcida e um espírito crítico tão exato que lhe permitiram fazer
comentários e observações bastante inteligentes sobre tudo o que eu disse. Devo
confessar que, depois de ter falado um pouco de mais acerca do meu querido
país, do nosso comércio e das nossas guerras, tanto em terra como no mar, dos
nossos cismas em matéria religiosa e política, este príncipe, levado pelos seus
preconceitos de educação, não se conteve e, pegando-me numa das suas mãos e
dando-me pancadinhas suaves com a outra, depois de um forte ataque de riso,
perguntou-me o que é que eu era, se progressista ou conservador.
Depois, voltando-se para o seu primeiro-ministro, postado atrás dele com
um bastão branco e quase tão alto como o mastro grande do Royal Sovereign,
observou quão desprezível era a grandeza humana que podia ser parodiada por
insectos tão diminutos como eu: E, contudo, disse ele, quase garanto que estas
criaturas têm os seus títulos e distinções de honra e que constróem pequenos
ninhos e tocas a que chamam casas e cidades; que se ostentam na sua maneira
de vestir e com as suas equipagens; que amam, lutam, discutem, enganam e
atraiçoam.” E prosseguiu no mesmo tom, enquanto eu, de indignação, ia
mudando de cor várias vezes por ouvir o nosso pobre país, o maior nas artes e nas
armas, o flagelo da França, o árbitro da Europa, o trono da virtude, piedade,
honra e verdade, o orgulho e inveja do mundo, ser tratado com tanto desprezo.
Porém como a situação em que me encontrava não me permitia tomar
atitudes de ofensa às injúrias recebidas, depois de meditar seriamente no assunto,