Page 162 - As Viagens de Gulliver
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minhas  gingas  ou  pequenos  remos.  Porém,  a  rainha  já  antes  pensara  noutra
      solução, tendo ordenado ao calafate que lhe fizesse uma selha em madeira de
      trezentos  pés  de  comprimento,  cinquenta  de  largura  e  oito  de  profundidade,  a
      qual, depois de bem vedada para não verter, foi colocada no chão, ao longo da
      parede, num pátio do palácio. Dispunha de um ralo perto do fundo, para deixar
      sair a água turva, podendo dois criados tornar a enchê-la com toda a facilidade
      em meia hora. E aqui eu costumava remar com frequência para minha diversão,
      assim como também para a da rainha e suas damas, que se entretinham com a
      minha habilidade e agilidade. Por vezes içava a vela, sendo então minha única
      função  manobrar  com  o  leme,  enquanto  as  damas,  com  os  seus  leques,  me
      proporcionavam a brisa necessária; e, quando estas se cansavam, eram alguns
      dos  pajens  que,  com  o  seu  sopro,  enfunavam  a  minha  vela,  enquanto  eu
      mostrava  toda  a  minha  arte,  manobrando  de  leme  para  estibordo  e  para
      bombordo,  conforme  me  aprazia.  Quando  acabava,  Glumdalclitch  levava
      sempre o meu barco para o seu quarto, onde o pendurava num prego a secar.
          Nesta  atividade  sofri  uma  vez  um  acidente  que  me  ia  custando  a  vida.
      Tendo um dos pajens posto o meu barco na água, dentro da selha, a preceptora
      de Glumdalclitch, muito solicitamente, levantou-me para me colocar no barco,
      mas eu escorreguei por entre os seus dedos, e teria infalivelmente caído de uma
      altura de quarenta pés para o chão, se, por um acaso dos mais felizes do mundo,
      um alfinete que se encontrava pregado ao avental da boa senhora não me tivesse
      detido na queda, pois a sua cabeça, enfiando-se entre a minha camisa e o cós das
      calças,  manteve-me  suspenso  no  ar  pela  cintura,  até  Glumdalclitch  correr  em
      meu auxílio.
          Uma outra vez, um dos criados, que fora incumbido de mudar a água da
      minha selha de três em três dias, não teve o cuidado necessário e, sem que o
      notasse, deixou passar do balde para a selha uma rã de tamanho colossal. A rã
      manteve-se  sempre  escondida  até  eu  ser  colocado  dentro  do  barco,  e,  vendo
      então  um  local  propício  para  descansar,  subiu  para  ele  e  fê-lo  inclinar  de  tal
      modo para um dos lados que eu fui forçado a equilibrá-lo com todo o meu peso
      no outro, evitando que ele se virasse. Mal a rã se achou dentro dele, saltou de
      uma vez metade do comprimento do barco, passando depois por cima de mim,
      para trás e para a frente, cobrindo a minha cara e roupa com o seu repugnante
      muco viscoso. A sua enorme configuração fazia dela o animal mais disforme que
      se pode imaginar. Contudo, pedi a Glumdalclitch que me deixasse desembaraçar
      sozinho do animal. Bati-lhe durante algum tempo com um dos remos, obrigando-
      o, finalmente, a saltar do barco.
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