Page 165 - As Viagens de Gulliver
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quarto, como se alguém a estivesse a abrir, pulando imediatamente para a janela
      e daí para os beirais, deslocando-se sobre três patas, enquanto me segurava com
      a outra, até trepar para um telhado vizinho do nosso. Ouvi ainda o grito de aflição
      de  Glumdalclitch,  quando  ele  me  levava  para  fora.  A  pobre  moça  quase
      enlouqueceu e toda aquela ala do palácio ficou em alvoroço, com os criados a
      correrem em busca de escadas. O macaco foi avistado por centenas de pessoas
      na corte, sentado na cumeeira de um telhado, segurando-me com uma das suas
      mãos, como a uma criança, enquanto com a outra me dava de comer, atulhando
      a minha boca de vitualhas que ele conseguira algures e dando-me pancadinhas
      quando  eu  não  comia.  Perante  este  espectáculo,  aquele  pessoal  em  baixo  não
      conteve  o  riso,  mas  não  os  censuro  por  isso,  pois  admito  ter  a  cena  parecido
      suficientemente  ridícula  para  qualquer,  excepto  para  mim.  Alguns  deles
      lançaram  pedras,  esperando  derrubar  o  macaco,  mas  tal  procedimento  foi
      imediatamente proibido, pois havia o perigo de me esmagarem a cabeça com
      uma pedrada.
          Nessa altura as escadas foram encostadas aos muros e por elas subiram
      vários homens, perante o que o macaco, sentindo-se encurralado, achou melhor
      desembaraçar-se de mim, largando-me numa telha curva, enquanto tratava de
      escapar.  Aí  permaneci  durante  um  tempo  que  me  pareceu  bem  longo,  a
      quinhentas jardas do solo, receando a todo o momento ser derrubado pelo vento
      ou  tombar  pelas  vertigens  que  sentia,  indo  a  rebolar  desde  a  cumeeira  até  lá
      abaixo. Entretanto, um dos criados da minha aia, um rapaz honesto, logrou trepar
      até  ao  sítio  onde  eu  me  encontrava  e,  colocando-me  dentro  do  bolso  das  suas
      calças, levou-me a salvo para terra firme.
          Fiquei quase  sufocado  pela  porcaria que o  macaco  me  introduziu pelas
      goelas abaixo, sendo a minha aia quem, com a ajuda de uma pequena agulha, a
      extraiu em grande parte da minha boca, mas só depois de vomitar bastante me
      senti  francamente  aliviado.  Fiquei,  porém,  tão  enfraquecido  e  dorido  com  os
      apertões que levei daquele odioso animal que me vi forçado a guardar o leito
      durante  uma  quinzena.  O  rei,  a  rainha  e  toda  a  corte  mandavam  diariamente
      saber  de  mim,  e  Sua  Majestade,  a  rainha,  visitou-me  várias  vezes  durante  a
      minha  convalescença.  O  macaco  foi  mandado  matar,  sendo  proibida  a
      permanência  de  qualquer  animal  idêntico  no  palácio.  Quando,  depois  de
      recomposto, fui visitar o rei para lhe agradecer toda a amabilidade e favores, ele
      deu-se  ao  prazer  de  ironizar  um  pouco  sobre  esta  minha  aventura.  Quis  saber
      quais os meus pensamentos e reflexões enquanto em poder do macaco, que tal
      achara  as  vitualhas  com  que  ele  me  presenteou  e  a  sua  maneira  de  me
      alimentar;  e  se  o  ar  fresco  no  telhado  me  aguçara  o  apetite.  Perguntou-me,
      ainda,  como  teria  eu  reagido  em  situação  idêntica  no  meu  país.  Disse  a  Sua
      Majestade  que  na  Europa  não  tínhamos  macacos,  exceto  aqueles  que,  como
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