Page 245 - As Viagens de Gulliver
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Glubbdudrib, segundo a sua etimologia, significa Ilha dos Feiticeiros ou
Mágicos. É quase três vezes tão larga como a ilha de Wight e é fertilíssima. Esta
ilha está sob o poder do chefe de uma tribo toda ela composta de feiticeiros, que
só se ligam entre si, sendo sempre príncipe o mais antigo da tribo. Este príncipe
ou governador possui um palácio magnífico e um parque com perto de três mil
acres, cercados de um muro de pedras talhadas de vinte pés de altura. Ele e toda
a família são servidos por criados de uma espécie muito extraordinária. Pelo
conhecimento que possui de necromancia, tem o poder de evocar os espíritos e
obrigá-los a servi-lo durante vinte e quatro horas.
Quando abordámos a ilha, deviam ser umas onze horas da manhã. Um
dos dois fidalgos que me acompanhavam foi ter com o governador e disse que
um estrangeiro desejava ter a honra de cumprimentar sua alteza. Este
cumprimento foi bem acolhido. Entrámos no átrio do palácio e passámos por
entre uma sebe de guardas, cujas armas e atitudes deveras me assustaram;
atravessámos as salas e encontrámos uma infinidade de criados antes de que
conseguíssemos chegar aos aposentos do governador. Depois de havermos feito
três profundas reverências, mandou que nos sentássemos em pequenos
tamboretes, que ficavam junto do trono. Como compreendia a língua dos
Balnibarbos, dirigiu-me algumas perguntas acerca das minhas viagens e, para
me provar que queria tratar-me sem cerimônia, fez sinal com o dedo a toda a
sua gente para que se retirasse e, num instante (o que me admirou muito) todos
desapareceram como fumo. Mal tive tempo para me refazer; o governador,
porém, tendo-me dito que nada tinha a recear e vendo os meus dois
companheiros seguros de si, comecei a ter ânimo e contei a sua alteza as
diferentes aventuras das minhas viagens, não sem ser, de vez em quando,
perturbado por uma estúpida imaginação, olhando muitas vezes em torno de
mim, para a direita e para a esquerda, e lançando os olhos para o lugar por onde
vira desaparecer os fantasmas.
Tive a honra de jantar com o governador, que nos fez servir por um novo
grupo de espectros. Permanecemos na mesa até ao pôr do sol e, tendo pedido a
sua alteza que nos desculpasse de não querermos passar a noite no seu palácio,
retirámo-nos eu e os meus dois amigos, e fomos em busca de uma cama na
capital, que fica próxima. Na manhã seguinte, viemos apresentar os nossos
respeitos ao governador. Durante os dez dias que permanecemos nesta ilha, vim a
familiarizar-me de tal maneira com os espíritos, que, se não tinha perdido de todo
o medo, pois me restava algum, cedia à minha curiosidade. Logo depois tive
ocasião de satisfazê-la, e por isso o leitor poderá julgar que sou mais curioso
ainda do que poltrão. Sua alteza disse-me um dia que nomeasse todos os mortos
que me aprouvesse, que os faria comparecer e os obrigaria a responder a todas
as perguntas que lhes quisesse dirigir, com a condição, contudo, de que só os