Page 153 - Demolidor - O homem sem medo - Crilley, Paul_Neat
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Quatro anos atrás.
Gabe Mcavoy já teve sonhos. Ele tinha um plano. Uma trajetória de
carreira. Desde que era adolescente.
Seu filme favorito ainda é Todos os Homens do Presidente. Redford e
Hoffman. Esse filme foi o que o fez querer ser jornalista. Ele queria ser o
tipo de repórter que descobre um escândalo. Algo grande. Algo que garanta
que seu nome será lembrado por décadas.
Mas este é o problema com os sonhos de infância: você tem de desistir
deles. Enterrá-los tão profundamente que só às duas da manhã eles vêm à
tona, depois de uma garrafa de uísque, ouvindo aquela velha fita cassete
gravada na época do colégio que você encontrou no fundo do armário.
Mesmo assim. Pelo menos ele se tornou um jornalista. Já é alguma coisa,
certo?
Gabe olha ao redor do escritório de plano aberto da redação do Clarim.
Deserto – abandonado por aqueles que têm uma família esperando. Ou por
aqueles que não têm medo de ir embora para um apartamento vazio.
Imagina como seria se sentir assim. Confortável com a solidão. Não
precisar ficar fazendo algo para se distrair dos próprios pensamentos.
Ele suspira e volta a atenção para a mesa entulhada. Pastas abarrotadas,
contas por abrir. Um computador antigo com um desses monitores verdes
fosforescentes. Copos de café velho. Embalagens de comida. Latas vazias
de energético.
Bem-vindo à minha vida.
Ele ouve um ruído e olha para cima. Ben Urich entra no escritório. O cara
novo. Cabelos castanhos e ralos, rosto comprido e óculos pretos que sempre
escorregam por seu nariz, fazendo-o olhar por cima deles. Gabe não
consegue se decidir se Ben é como ele – com medo do apartamento vazio –
ou se ainda está tentando impressionar o chefe trabalhando até tarde. Gabe
pensa, por um breve momento, em perguntar, mas como diabos faria isso –
perguntar a um completo estranho se ele é solitário?