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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA
aquilo que mais lhe importa – não decorre da atividade produtora
da consciência que encontra o real e dele se apropria e resolve em si
própria, ou se mantém distante do real, deplorando-o ou espelhando-
-se na sua própria imaculabilidade, mas decorre de uma contradição
que está já inscrita na objetividade. Isto é: num tecido ontológico
intrinsecamente dilacerado e cindido, agitado por uma conflitualidade
imanente que, no seu enredamento trágico, constitui o pressuposto da
dor da negatividade que, transferindo-se ao sujeito que a assume, apela
novamente à dificuldade do conceito.
Apesar do fato de que, muito provavelmente, ele próprio se teria
subtraído a tais considerações, há, porém, algo sensivelmente pessoal
que podemos salientar em relação a um trabalho de investigação
imprevistamente concluído ao fim de cinquenta anos (são de 1967 as
suas primeiras publicações); algo que tem valor geral, para além da
experiência subjetiva do indivíduo. Losurdo teve de lutar com grande
determinação pelo reconhecimento das suas posições, quer no âmbito
acadêmico, quer noutros contextos. Todavia, tal esforço, necessário,
não foi e não é o selo do seu percurso individual, representando antes
a tomada de consciência do fardo que caíra sobre toda uma geração de
intelectuais, obrigados pela história a fazer o balanço de uma época e de
um inteiro mundo ético chegados ao fim, e destinados a enfrentar esta
crise de diferentes maneiras e a percorrer caminhos que se revelarão
divergentes.
Hegeliano e marxista, Losurdo estava absolutamente convencido
do caráter intrinsecamente político da filosofia: a filosofia é, em primeiro
lugar, o nosso tempo apreendido no conceito e, por este motivo, a
política constitui o seu primeiro e mais importante laboratório. Não no
sentido de que esta disciplina se tenha de limitar a uma mera descrição
do mundo, ou ainda pior, a sua justificação, como muitas vezes lhe
replicavam os intérpretes maliciosos do mote hegeliano da relação entre
o real e o racional: mesmo que se quisesse fazê-lo, isso seria impossível,
porque a filosofia, quando o é, conserva uma missão de transcendência
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