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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA


           escravatura  assalariada como da própria escravatura” . Assim, tais
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           dispositivos poderosos revelam-se como uma crítica muito refinada da
           ideologia, mas de natureza totalmente reacionária.
                A política entende-se aqui como “desconsagração” do discurso
           filosófico e recondução à sua substância. Ou talvez, melhor dizendo,
           como aquela mundanização que, caindo do céu das ideias à terra do
           conflito secular, exalta – chamando-as  novamente  à sua tarefa – as
           potencialidades humanistas desta forma de saber e a sua concepção
           projetual.  “Se Hegel  ensina a inelutabilidade  da  situação  histórica”,
           então, “Marx ensina a inelutabilidade, no seu interior, dos conflitos
           político-sociais” e desta forma define, deste momento em diante, “a
           qualidade nova do discurso filosófico” , o qual, perante tais conflitos,
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           é  obrigado  – mas  não  em  virtude de  eventuais  obrigações  morais –
           a tomar partido. Pois bem, já que em primeira pessoa praticou este
           “engajamento  objetivo”  em tempos  politicamente  assaz difíceis –
           tempos de refluxo, nos quais qualquer possibilidade de transformação
           do mundo é negada e o trabalho intelectual cada vez mais concebido
           como apologia, edificação, consolação  e suplemento  de alma em
           relação à mera administração do existente –, para Domenico Losurdo,
           como  para  outros  intelectuais da  sua  geração,  este  tomar  partido
           comportou,  em muitos  casos,  as  suspeitas  de  quem,  por  de  trás  de
           qualquer  raciocínio que  não ocultasse  a própria política militante,
           lançava a acusação da propaganda. Uma propaganda fora do tempo, já
           que em pano de fundo – ou seja, naquele campo filosófico-político em
           que longamente se tinha inspirado a emancipação do gênero humano
           – reconhecia-se então não o fragor de uma marcha triunfal, mas o tom
           surdo de um exército em retirada que, na sua fuga ao marxismo (e
           também à sua própria história), debandava em mil direções.
                Mesmo por isto, justamente porque mantinha sempre unidas a
           filosofia e a política numa época que voltou as costas à revolução –
           mesmo porque, no espírito destes tempos, a acusação de parcialidade

           1  LOSURDO, 1987b, p. 108.
           2  LOSURDO, 1991a, p. 128.

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