Page 18 - LOSURDO COMPLETO versão digital_Spread
P. 18

LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA


           vitoriosas no seguimento da guerra mundial que se seguiu à segunda
                                16
           guerra dos Trinta Anos . Em meados dos anos 1990, em O revisionismo
           histórico, ele evidencia o emergir de “uma gigantesca releitura do mundo
           contemporâneo” cujo objetivo consistia, na verdade, “na liquidação da
           tradição revolucionária desde 1789 aos nossos dias”, que representava
           uma “viragem historiográfica e cultural epocal” , que ao mesmo tempo
                                                       17
           coincidia com uma viragem interna no próprio liberalismo, o qual, uma
           vez absorvida “a radical mudança do espírito do tempo na passagem
           da grande coligação antifascista à Guerra Fria”, e desenvolvida “a
           conseguinte  elaboração  de uma ideologia ‘ocidental’” , libertava-se
                                                                18
           agora de seus componentes democratizantes, que ele tinha assimilado
           ao longo de seu confronto histórico com os movimentos  radical e
           socialista. Com esta mudança de espírito, o liberalismo voltava a seu
           passado,  tornando-se  novamente  conservador.  Quando,  dez  anos
           mais tarde, este percurso se consuma, ou seja, quando a afirmação do
           neoliberalismo se consolida, é publicada a Contra-história do liberalismo,
           texto  que  refuta  definitivamente  a clássica definição de liberalismo
           como teoria da liberdade e dos direitos individuais: no plano cultural,
           o  liberalismo,  se  alguma  coisa  representa,  é  “uma  autodesignação
           orgulhosa  que  tem uma conotação  simultaneamente política, social
           e  até  étnica” .  Ou seja,  com o liberalismo,  “estamos  em  presença
                        19
           de um movimento  e de um partido que procura agregar  as pessoas
           dotadas de uma ‘educação liberal’ e autenticamente livres, ou seja, os
           que têm o privilégio de serem livres, a ‘raça eleita’ (…) a ‘nação em

           16  A guerra dita dos Trinta Anos, extremamente cruel e destrutiva, estendeu-se por toda a Europa ocidental e central
           de 1618 a 1648. Seu motivo mais aparente e imediato foi a reativação do ódio entre católicos e protestantes, mas
           a razão de Estado sobrepôs-se ao fanatismo religioso. Assim a França, oficialmente católica, aliou-se aos Estados
           alemães e outros países protestantes para abater o também oficialmente católico Império dos Habsburgo, apoiado
           pelo papa e pela Espanha. A expressão analógica “segunda guerra dos Trinta Anos” repousa numa interpretação
           que vê uma linha profunda de continuidade, prosseguindo, a partir da grande guerra desencadeada em 1914, nas
           intervenções imperialistas contra a Rússia revolucionária, nos levantes proletários na Europa, na invasão da China
           pelo Japão, na guerra civil espanhola, até 1945, quando a vitória dos soviéticos e dos aliados anglo-saxões sobre o
           Eixo nazi-fascista levou a termo o grande ciclo aberto em 1914. Tanto na primeira quanto na segunda guerra dos
           Trinta Anos, interagiram nações, classes e ideologias, num complexo confronto cujo aspecto predominante variou
           nas diferentes situações concretas (JQM).
           17  LOSURDO, 1996a, p. 7.
           18  Ib., p. 18.
           19  LOSURDO, 2005, p. 242.

       18
   13   14   15   16   17   18   19   20   21   22   23