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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA


           dificuldades, disponível para efetuar compromissos perante a revolta
           dos bárbaros proletários e dos seus gritos revolucionários, a empurrá-lo,
           no final da sua vida consciente, para o “radicalismo aristocrata”, para
           a ideação daquele “partido da vida” que, para salvação da civilização
           ocidental, irá augurar a “aniquilação de milhões de sub-humanos”  e
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           das “raças decadentes”.
                Também o pensamento de Heidegger não pode ser compreendido
           sem que se faça referência àquele “pathos do Ocidente”  que, na época
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           da Primeira Guerra Mundial, acompanhava a exaltação da Gemeinschaft,
           da  decisão (Entscheidung)  e  da  morte,  fato  partilhado  por  ambas  as
           “ideologias de guerra” em jogo.  Tampouco a sua duradoura adesão
           ao nazismo pode ser explicada sem ter em conta que tal movimento
           consistiu,  principalmente,  na  prossecução,  radicalizada  e  projetada
           sobre o continente europeu, da longa aventura colonial europeia, com
           as suas práticas de desumanização e extermínio, assentes na redução
           do gênero humano a uma mera espécie zoológica, num plano que se
           pretendia filosófico.
                Não  podemos  reconstituir,  nestas  breves  linhas,  a  gigantesca
           produção  intelectual  de  Losurdo,  que  examina  os mais variados
           aspectos  da  tradição  filosófico-política europeia  (trinta  e  uma
           monografias editadas, outros tantos são os volumes que ele organizou,
           duzentos ensaios publicados em revistas, como figura na bibliografia
           que ele próprio tinha estabelecido e autorizado, reproduzida em
           anexo a este texto). Fica, porém, assente – e será possível, no futuro,
           mostrá-lo de forma mais aprofundada – que, em todo este trabalho, o
           compromisso principal da sua experiência intelectual é com a tradição
           que mais o interessa, dedicando-se à autocrítica e à reconstrução do
           materialismo histórico. Se a história do marxismo é a história de uma
           ininterrupta cadeia de “crises” – que começa com Marx e que ao longo
           do século XX várias vezes se manifesta, com diferentes pressupostos,
           intenções e sucessos –, Losurdo e a sua geração enfrentaram, de fato,

           22  NIETZSCHE, F., cit. in LOSURDO, 2002, p. 644.
           23  LOSURDO, 1991b, p. 89.

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