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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA


           também na incapacidade de o marxismo se institucionalizar e levar a
           cabo, com o consenso mais amplo possível, a estabilização indispensável
           a uma normalidade socialista e a um funcionamento respeitador dos
           direitos individuais. Animado por um insuperável sopro messiânico,
           desejoso de uma palingênese total do mundo, o marxismo do século XX,
           na verdade, não cortara completamente as pontes com o anarquismo. E,
           sonhando uma sociedade totalmente “outra”, em oposição à existente,
           imaginara o fim das nações, do mercado, do dinheiro, do poder e o
           desvanecer da conflitualidade em geral, revelando-se – cada vez que a
           utopia sonhada chocava com a dureza da história e das suas contradições
           – incapaz de sair de um perpétuo estado de exceção e de se constituir
           como Estado, impondo a lei e conciliando comunidade e indivíduo.
                Neste sentido, a revolução filosófica e política operada por Lênin
           não será suficiente, apesar de este, pela primeira vez, ter conduzido o
           marxismo para fora dos seus limites eurocêntricos, conjugando a luta de
           classe do proletariado europeu com as lutas de emancipação nacional dos
           países colonizados pelo Ocidente e compreendendo, ao mesmo tempo,
           a complexidade de um processo revolucionário que, num mundo tão
           hostil, prosseguia de formas novas, mesmo após a conquista do poder.
                É a partir desta constatação que se entende a opção feita por
           Losurdo de caminhar a contracorrente também em relação aos seus
           próprios camaradas, correndo o risco de isolamento até o superar. A
           escolha por ele assumida implicou criticar profundamente o marxismo
           ocidental, constatando a sua subalternidade, ainda não superada, em
           relação  ao  liberalismo,  que  se  exprimiu  fortemente  na  sua crescente
           indiferença em relação à questão colonial, e que levou a esquerda no
           seu conjunto a tornar-se, até um certo ponto, “ausente” . A partir deste
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           pressuposto e sobretudo do reconhecimento do êxito da experiência
           do socialismo  chinês (por ele sempre respeitado e observado com
           uma atenção empática, comparado com as formas russa e ocidental),
           decorre a necessidade de se repensar integralmente os fundamentos do


           32  LOSURDO, 2014.

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