Page 23 - LOSURDO COMPLETO versão digital_Spread
P. 23

DOMENICO LOSURDO, 1941-2018 | STEFANO AZZARÀ


               marxismo. Começando por uma releitura da luta de classes que fosse
               capaz de ultrapassar o esquematismo binário e economicista – como o
               de quem, em cada nível, especifica apenas uma só contradição: a que se
               dá entre um proletariado sempre indefinido e uma burguesia não menos
               mal-entendida  –,  Losurdo  propôs  uma  teoria  geral  do  conflito,  que
               presidiria a cada processo de emancipação (e que tem a ver, em primeiro
               lugar, com a luta pelo reconhecimento da própria dignidade humana
               por parte dos grupos excluídos e discriminados). Uma teoria capaz de
               esclarecer as grandes crises históricas, mas também aquelas acelerações
               nas quais nunca se registra apenas uma única dimensão, mas sempre se
               dá a presença simultânea de uma pluralidade de contradições objetivas.
               Esta perspectiva constitui assim uma teoria capaz de compreender o
               enredamento indissolúvel entre a questão social e a questão nacional,
               ou a questão de gênero, como tensão entre o universal e o particular,
               visando a um universalismo concreto que permita pensar a humanidade
               comum para além de qualquer abstração irenista .
                                                             33
                     A dureza do conflito de classe, mas também a da guerra civil
               europeia e internacional e do estado de guerra mundial permanente
               que acompanhou o processo  de  descolonização, exaltou e cristalizou,
               inevitavelmente, a dimensão religiosa e messiânica do marxismo,
               componente que se tinha revelado indispensável nos processos de
               mobilização de massas necessários naquela longuíssima fase. Por muito
               tempo persuadidos da iminência de uma ruptura revolucionária que
               se  expandiria mundialmente,  começando  nos pontos  mais altos do
               desenvolvimento industrial, e por mais tempo ainda cercados no plano
               geopolítico e também cultural e psicológico, pela potência hegemônica
               do mundo capitalista, os marxistas tinham perdido a noção da história
               e desaprendido a dimensão dos tempos longos próprios dos movimentos
               reais. Ou seja, o fato de que a transformação não se dá na estrutura temporal


               33  O adjetivo irenista remete ao neologismo irenismo, derivado de irenicus (latim eclesiástico moderno), que por
               sua vez provém do grego clássico eirene = paz. O termo denotou inicialmente atitude conciliadora nas querelas
               teólogicas, visando a apaziguar e reaproximar católicos e protestantes; assumiu depois conotação política, preconi-
               zando, em cada confronto, pôr ênfase naquilo que pode aproximar e descartar aquilo que opõe os contendores.
               É pois uma atitude conciliadora, disposta a sacrificar princípios (JQM).

                                                                                   23
   18   19   20   21   22   23   24   25   26   27   28