Page 102 - O Que Faz o Brasil Brasil
P. 102
dominante. Assim, conforme tive que repetir inúmeras vezes, somos
uma pessoa em casa, outra na rua e ainda outra no outro mundo.
Mudamos nesses espaços de modo obrigatório porque em cada um
deles somos submetidos a valores e visões de mundo diferenciados
que permitem uma leitura especial do Brasil como um todo. A esfera
de casa inventa uma leitura pessoal; a da rua, uma leitura universal.
Já a visão pelo outro mundo é um discurso conciliador e
fundamentalmente moralista e esperançoso. Entre essas três esferas,
colocamos um mundo de relações e situações formais. São as nossas
festas e a nossa moralidade, que, como disse, se fundam na
verdadeira obsessão pela ligação. E não poderia deixar de ser assim
numa sociedade tão tematizada pela divisão interna.
Mas qual é, afinal, a moral desta história? Não será preciso ir
muito longe para apreciá-la. A História do Brasil tem mostrado como
sempre insistimos em “ler” e interpretar o país pela via exclusiva da
linguagem oficial que se forma no espaço generalizado da rua,
espaço das nossas instituições públicas e que sempre apresenta um
discurso politicamente sedutor, pois que sistematicamente
normativo. Ou seja: desse ponto de vista, a fala sempre diz o que fazer
para resolver a questão. Mas não é precisamente isso que temos feito
em toda a nossa História moderna, a partir da Independência e da
República? E por que as coisas não dão certo?
Só Deus pode saber isso precisamente. Mas a visão an-
tropológica, da qual este ensaio é um pequeno exemplo, permite
que se discutam algumas coisas importantes para uma resposta
sugestiva a essa pergunta. É possível, por exemplo, argumentar que
nada pode dar certo se a crítica social e política é sempre
incompleta, pois só leva em consideração um dado da questão. De
fato, como se pode corrigir o mundo público brasileiro por meio de leis
impessoais, se não se faz simultaneamente uma série crítica das redes
de amizade e compadrio que embebem toda a nossa vida política,
institucional e jurídica? Nosso resultado, então, é que, à crítica