Page 97 - O Que Faz o Brasil Brasil
P. 97
de duas tradições religiosas aparentemente divergentes. Isso
realmente não importa. O que para um norte-americano calvinista,
um inglês puritano ou um francês católico seria sinal de superstição
e até mesmo de cinismo ou ignorância, para nós é modo de ampliar
as nossas possibilidades de proteção. É também, penso, um modo de
enfatizar essa enorme e comovente fé que todos nós temos no
sentido e na eternidade da vida. Assim, essas experiências religiosas
são todas complementares entre si, nunca mutuamente excludentes.
O que uma delas fornece em excesso, a outra nega. E o que uma
permite, a outra pode proibir. O que uma intelectualiza, a outra
traduz num código de sensual devoção. Aqui também nós, brasileiros,
buscamos o ambíguo e a relação entre esse mundo e o outro.
O que pode parecer singular no caso brasileiro, então, é que
cada uma dessas formas de religiosidade seja suplementar às outras,
mantendo com elas uma relação de plena complementaridade.
Assim, a Igreja Romana costura e dá sentido ao mundo e às
experiências humanas pelo seu ângulo externo e formal, sendo
acionada para legitimar importantes crises de vida, como o
casamento, o batizado, o nascimento e a morte. A Igreja, assim, é
uma forma básica de religião, marcando talvez o lado impessoal de
nossas relações com Deus. Um lado, de fato, onde a intimidade
eventualmente pode ceder lugar às regras fixas que conduzem a uma
impessoalidade, sobretudo nos cultos que legitimam de qualquer
modo as crises de vida.
Mas, ao lado dessas formas impessoais e mais politizadas e
socialmente aceitas de comportamento religioso, existem formas
pessoais de ligação com o outro mundo. Formas e estilos, vale
destacar, que são tão populares como o milagre.
Realmente, que é o milagre senão uma resposta dos deuses a
uma súplica desesperada dos homens, na forma de um atendimento
pessoal e intransferível? O milagre é prova de um ciclo de troca que
envolve pessoas e entidades sobrenaturais na forma de desejos,