Page 98 - O Que Faz o Brasil Brasil
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motivações, sentimentos e vários objetos, alguns inclusive com a
forma da parte que foi curada — prova cabal da realização do
milagre ou da graça, finalmente, obtida. Essa pessoalidade existente
no catolicismo popular, como vemos, é singular. Ela parece produzir,
no plano religioso, essa enorme ênfase nas relações pessoais que dão
um sentido profundo ao nosso mundo social.
Tudo isso revela que é clara essa forma de comunicação
familiar e íntima, direta e pessoal entre homens e deuses no caso
brasileiro. Assim, em vez de opor a religião popular à religião oficial, ou
erudita, será melhor entender que suas relações são
complementares. Como as vertentes de um mesmo rio ou as duas
faces de uma mesma moeda. Desse modo, o oficiai contém tudo o
que pode legalizar, atuando a partir de fora. Mas o popular contém
todas as formas que lidam com as emoções em estado vivo,
atuando por dentro. Nessa modalidade, sentimentos e idéias ligam-se
em dramas visíveis e concretos, muito diferentes das formas eruditas
de religiosidade, onde o culto salienta uma comunicação
disciplinada e oficial com a divindade. Num caso, a relação com
Deus é, por assim dizer, “limpa”: trata-se de uma comunicação
educada. No outro, a comunicação é sensível, concreta e
dramática. O milagre, para nós, brasileiros, é a não-exclusão de
qualquer dessas formas como necessárias à vida religiosa. Mas a
adoção de ambas como modos legítimos de se chegar a Deus.
Assim, se no Natal vamos sempre à Missa do Galo, no dia 31
de dezembro vamos todos à praia vestidos de branco, festejar o
nosso orixá ou receber os bons fluidos da atmosfera de esperança que
lá se forma. Somos todos mentirosos? Claro que não! Somos, isso sim,
profundamente religiosos.
Realmente, se o mundo real exige um comportamento
coerente e uma conduta marcada pela exclusividade (não posso
ter dois sexos, nem duas mulheres, nem duas cidadanias, nem dois