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mesma  turma.  Desde  o  início,  tinha  um  colega  que  conseguia  disfarçar  menos  sua
        homossexualidade e, para continuar pertencendo ao grupo, eu participava de ataques de

        bullying homofóbico. Estes eram os momentos nos quais eu me sentia pior.
          João sempre estudou na mesma turma em que eu. Éramos muito amigos na infância,
        nossas mães eram amigas e ambos éramos filhos únicos. Ele frequentou a minha casa e eu a

        dele, brincamos muito na infância, éramos os melhores amigos. Apesar de ser um ano mais
        velho do que eu, João não aparentava, porque sempre foi muito sensível e delicado. O fator

        ‘não jogar bola’ influencia muito o que as crianças pensam quanto à sexualidade de outra. E
        João não jogava.
          É engraçado. Nunca trocamos uma palavra sequer em relação ao sexo. Ao menos, não que

        eu me lembre. Jogávamos muito videogame juntos, e geralmente ele passava pela manhã
        em minha casa para irmos ao colégio. Não sei bem explicar como, mas nossa relação e

        encontros foram tornando-se esparsos, até que nos tornamos meros colegas de sala. Ele
        passou a ser um garoto solitário, menos risonho. Aproximou-se mais das garotas e adquiriu
        ‘trejeitos’, que talvez sempre tenha tido, mas que somente com o amadurecimento e a

        consciência do mundo eu e os outros garotos começamos a perceber.
          Eu tinha 12 ou 13 anos nessa época. Acho que, por pertencer a uma família que preserva

        bastante as tradições mineiras, na qual era comum escutar comentários homofóbicos e até
        mesmo racistas, eu tinha o preconceito internalizado de que a homossexualidade era algo
        errado. E é muito estranho ser ‘errado’. Eu não tinha com quem conversar, eu não tinha com

        quem dividir meus desejos. E acho que foi a fase na qual eu tive mais medo na minha vida.
        Era um medo de tudo, um medo de mim.

          Adquiri repulsa por alguém que eu imaginava ser a pessoa que mais se assemelhava a mim.
        Julgava-o sujo. Era como se o distanciamento que criei com ele disfarçasse a minha sujeira.
        Não sei bem ao certo, mas em virtude de suas maneiras mais delicadas, nós, os meninos,

        simplesmente deixamos de conviver com ele. Não sei como surgiram os primeiros episódios
        de bullying. Mas, aos poucos, ele começou a ser motivo de chacota na sala e, em pouco

        tempo, de todo o colégio.
          Crianças e adolescentes têm uma maldade que eu não entendo. Todos os dias escrevíamos
        no quadro seu apelido: ‘João viadinho’. A situação de bullying era clara. Ele sofria muito, era

        perceptível.  Quando  cruzávamos  com  ele,  ríamos  e  imitávamos  trejeitos  femininos.  Os
        meninos da sala não o tocavam, pois, caso isso ocorresse, pegariam ‘viadice’. Imagino o
        quanto isso foi dolorido para ele.

          Logo, ele começou a permanecer todo o recreio dentro da sala de aula. E as agressões
        passaram do campo das palavras para o físico. Em suas tentativas de revide, ele levava tapas,

        socos e pontapés. Eu não cheguei a fazer isso. Mas, os outros garotos, sim. Quando ele
        passava pelo corredor, próximo ao grupinho dos ‘machos’, além de um ‘E aí, viadinho?’, ele
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