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pensava. Aos poucos, percebi a minha ingenuidade. O “doutor”, nesses espaços, tinha uma
função estratégica: a de garantir o reconhecimento entre os pares e assegurar a submissão
daqueles que precisavam da Justiça e rapidamente compreendiam que a Justiça ali era
encarnada e, mais do que isso, era pessoal, no amplo sentido do termo.
No caso dos médicos, a atualidade e a persistência do título de “doutor” precisam ser
compreendidas no contexto de uma sociedade patologizada, na qual as pessoas se definem
— e são definidas — em grande parte por um diagnóstico. Hoje, são os médicos que dizem
o que cada um de nós é: depressivo, hiperativo, bipolar, obeso, anoréxico, bulímico,
cardíaco, etc. Do mesmo modo, numa época histórica em que juventude e potência se
tornaram valores — e é o corpo que expressa ambas —, faz todo sentido que o poder médico
se expanda para muito além dos consultórios e dos hospitais e passe a influenciar todas as
esferas da sociedade.
É o médico, como manipulador das drogas legais e das intervenções cirúrgicas, que
supostamente pode alterar comportamentos considerados “anormais” ou “disfuncionais”
ou “antissociais”, assim como ampliar tanto potência quanto juventude. E, de novo
supostamente, deter o controle sobre a definição de normalidade, assim como sobre a
longevidade e a morte. A ponto de alguns profissionais terem começado a defender que a
velhice é uma “doença” que poderá ser eliminada com o avanço tecnológico.
O “doutor” médico e o “doutor” advogado, juiz, promotor, delegado têm cada um suas
causas e particularidades na história das mentalidades e dos costumes. Em comum, o doutor
médico e o doutor advogado, juiz, promotor, delegado têm algo significativo: a autoridade
sobre os corpos. Um pela lei, o outro pela medicina, eles normatizam a vida de todos os
outros. Não apenas como representantes de um poder que pertence à instituição e não a
eles, mas que a transcende para encarnar na própria pessoa que usa o título.
Se olharmos para o fenômeno a partir das relações de mercado e de consumo, a Medicina
e o Direito são os únicos espaços em que o cliente, ao entrar pela porta do escritório ou do
consultório, em geral já está automaticamente numa posição de submissão. Em ambos os
casos, o cliente não tem razão, nem sabe o que é melhor para ele. Seja como vítima de uma
violação da lei ou como autor de uma violação da lei, o cliente é sujeito passivo diante do
advogado, promotor, juiz, delegado. E, como “paciente” diante do médico, deixa de ser
pessoa para tornar-se objeto de intervenção.
Num país no qual o acesso à Justiça e o acesso à Saúde são deficientes, como o Brasil, é
previsível que tanto o título de “doutor” permaneça atual e vigoroso quanto o que ele
representa também como viés de classe. Apesar dos avanços e da própria Constituição, tanto
o acesso à Justiça quanto o acesso à Saúde permanecem, na prática, como privilégios dos
mais ricos. As fragilidades do SUS, de um lado, e o número insuficiente de defensores