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Um embrulho de






        papel brilhante















        A espio chegando, com seus pés tortos por um milhão de desajustes ósseos, uma bolsa
        pesada na mão e uma mala de rodinhas. É minha mãe e acabou de descer do ônibus com

        meu pai. Vejo que ela me procura com olhos ansiosos na rodoviária de Porto Alegre, já pronta
        pra reclamar que estou atrasada. Eu poderia me apressar. Em vez disso, estaciono minhas

        botas atrás de uma das colunas. Tento fixar esse momento. Naquele instante eu sei que
        aquela cena é irrepetível, e de súbito essa revelação me engolfa. Faz alguns anos já que a
        percepção da passagem do tempo se faz nítida em mim. Sinto-me como se estivesse no

        fundo de uma piscina, ouvindo à distância o burburinho surdo dos outros. Respiro e estou
        de novo na superfície. Guardo a cena inteira numa dobra do meu corpo, desprego-me da
        coluna e surjo sorridente diante deles.

          Estamos todos ali, na cidade em que já não vivo há muito, para uma consulta com o médico
        da capital. Naquele dia, eu apalpo essa nova geografia na qual ainda preciso descobrir se sou

        montanha,  rio,  um  lago.  Talvez  apenas  uma  árvore  não  muito  grande,  não  muito  forte.
        Quando a hora de cuidar dos pais nos alcança, os filhos que se importam encontram-se não
        apenas em território desconhecido, mas acabam por encontrar um território desconhecido

        dentro de si.
          Quero protegê-los, mas não sei como. Devo chamar um táxi ou esperar pelo meu pai, como
        sempre  foi?  Devo  tomar  a  iniciativa  e  fazer  eu  as  perguntas  para  o  médico  ou  devo

        permanecer como coadjuvante? Devo andar no lado externo da calçada ou devo respeitar o
        lugar do meu pai, que como todo homem de sua geração sempre se manteve como um

        escudo entre a rua e as mulheres, na intrincada arte do footing? Ele esclarece: “Vá para o
        meio, para conversar com a tua mãe”. Não vá para o meio porque sou eu que protejo vocês.
        Eu compreendo a enormidade dessa cena banal. Mas nada digo. Apenas deslizo para dentro.

          Mais tarde, depois da consulta, levo-os para jantar num shopping em frente ao centro
        médico. Vou de balcão em balcão da praça de alimentação em busca de algo que meu pai
        possa comer. “Você não pode só fazer um pão com queijo mozzarella?”, eu pergunto. Logo,

        estarei quase implorando. Mas parece que ninguém pode fazer pão com queijo. As franquias
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