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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização
raio e quebrou aquilo ali, aquilo ali já vinha rompendo [Regiane,
moradora de Povoação, pescadora, dona do lar e comerciante, en-
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trevista realizada em 25/09/2016].
O relato acima foi extraído da conversa com Regiane, moradora de Po-
voação, distrito litorâneo do município de Linhares, estado do Espírito
Santo. Localizado na margem norte da foz do Rio Doce, o local de mo-
radia e trabalho de Regiane e sua família foi atingido em novembro de
2015 pela lama da Samarco – nome popular para aquilo que o jargão cien-
tífico chama de “rejeitos minerários” formados por partículas de solo e
minério de ferro combinados com arsênio, chumbo, mercúrio, manganês,
cádmio, cobre e zinco. A “lama da Samarco”, ou esse montante de “rejei-
tos”, foi despejada no ambiente em decorrência do rompimento de uma
barragem localizada em Mariana, no estado de Minas Gerais. A estrutura
era operada pela empresa Samarco Mineração S.A., que, por sua vez, é
controlada de forma paritária por duas gigantes da mineração mundial, a
saber, a Vale S.A. e a BHP Billiton.
Na ocasião do rompimento, 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos mi-
nerários foram despejados no ambiente e carreados pelo Rio Doce em
direção ao oceano Atlântico, percorrendo mais de 800 km até a foz do rio
no município de Linhares, no estado do Espírito Santo. Além das milha-
res de toneladas de peixes e outros animais mortos, 19 pessoas, compos-
tas em sua maioria por trabalhadores terceirizados da empresa, também
morreram em decorrência direta e imediata do rompimento da barra-
gem. Centenas de moradias foram destruídas nos municípios de Mariana
e Barra Longa (no estado de Minas Gerais). Além desses danos diretos e
imediatos, a descida da “lama da Samarco” pela calha do Rio Doce es-
praiou prejuízos nas atividades produtivas de comunidades urbanas e ru-
rais espalhadas pelas margens do rio, além de crises de abastecimento de
água e produção de alimentos, atingindo, portanto, milhões de pessoas
que dependiam direta ou indiretamente do Rio Doce.
Desde então, o enredo que se desdobra no Vale do Rio Doce coloca fren-
te a frente a Samarco e suas controladoras – que trazem consigo todo o
histórico de apoio e incentivos estatais desde sua criação – e o conjunto
2 Diante de um contexto de crise, conflitos e assédios, optamos por manter o anonimato
dos nossos interlocutores. Sendo assim, todos os nomes utilizados neste artigo são fictícios.
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