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Capítulo 6

                    tegrado como instrumento para definições de populações atingidas e da
                    mensuração de impactos atribui terminologias e padronizações das víti-
                    mas que são muitas vezes exteriores e/ou limitadores da realidade viven-
                    ciadas por elas (ZHOURI et al., 2017; APPADURAI, 2004).
                    As reclamações em destaque tornam evidente o protagonismo e a au-
                    tonomia da empresa no estabelecimento de relações com a população
                    atingida, das definições do efeito do desastre e até mesmo de definição
                    de quem é ou não atingido pelo rompimento da barragem. Esse tipo de
                    reclamação não é exclusivo da interlocutora em destaque; ao contrário
                    disso, o que temos escutado e presenciado ao longo do trabalho de cam-
                    po, realizado desde o final de 2015 na região da foz do Rio Doce, sobretudo
                    nos distritos de Regência e Povoação, são aflições dos moradores sobre
                    o futuro (profissional, familiar e sociocultural), incertezas em relação à
                    qualidade da água e alimento na região e questionamentos acerca do tra-
                    tamento institucional que tem sido dedicado à gestão da crise.
                    No que tange ao tratamento institucional, torna-se importante ressaltar
                    que nos últimos anos a gestão de desastres “tem se deslocado do eixo da
                    investigação de possíveis crimes ou infrações legais [...] para o eixo do
                    tratamento administrativo de conflitos socioambientais” (ZHOURI et al.,
                    2016, p. 46). Nessa perspectiva analítica, Acselrad e Bezerra (2010) apon-
                    tam para um “modelo de harmonização” como um processo de difusão
                    de técnicas para “resolução de conflitos ambientais” na América Latina.
                    Nesse modelo em destaque, a dimensão política tem sido retirada dos de-
                    bates travados nas arenas públicas, “destinando os conflitos a um trata-
                    mento despolitizado voltado ao acordo direto – via de regra por meio de
                    compensações – entre os agentes neles diretamente envolvidos” (ACSEL-
                    RAD; BEZZERA, 2010, p. 35).

                    No caso analisado, enquanto muitos atingidos na foz do Rio Doce cobram
                    soluções para os problemas vivenciados com o desastre e reivindicam a
                    responsabilização daqueles que permitiram o rompimento da barragem,
                    alguns dispositivos específicos, como mesas de negociações e assinaturas
                    de Termos de Ajustamentos de Conduta (TAC), estão sendo acionados
                    em detrimento dos interesses e da participação dos atingidos e apoiado-
                    res (ZHOURI et al., 2017). Sendo assim, a assinatura e homologação do
                    TTAC – que criou, em 2016, uma fundação de direito privado para geren-





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