Page 21 - Jornal Gueto 2017
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FACADA NO ESPELHO hante (Fanon, Os Condenados da Terra). a emigrar e a ter dois trabalhos limpando a violência horizontal? Não seria mais logico e
O que é necessário compreender e que nos merda dos outros para ter apenas o dinheiro até prático para nós esfaquear skinhead, um
não nos matamos por chapéus, telemóveis, ou suficiente para ser pobre, e os nossos pais a fi- agente policial não hesita em espancar o nos-
tirantes. Matamo-nos porque as nossas mães carem largados a sua sorte, despojados do seu so irmão ou um político de direita corrupto?
Num acontecimento tragicamente recorrente,
têm dois trabalhos, provavelmente a limpar a orgulho de Africano forte capaz de sustentar a O que há em nos que nos faz pensar que os
mais um jovem negro foi morto por um igual.
merda dos outros; os nossos pais não têm nen- sua família depois de 40 anos a construir este brancos são tao inatingíveis ao ponto de ter-
Desta vez a tragédia ocorreu na amadora. A
hum, isto para aqueles de nós que conhecem pais que os usou e descartou; não pensam- mos de direcionar a violência pela qual são
vítima, de seu nome Lenine, tinha apenas de
ou vivem com os pais. Portanto o dinheiro os nos professores, mais um instrumento de responsáveis para o nosso igual? O que igno-
20 anos de idade. O comentário mais fácil de
que entra em casa não chega para um bom segregação do sistema de supremacia branca, ramos e que ao matarmos os nossos irmãos
fazer ou conclusão mais curta de se tirar por
chapéu, um bom telemóvel, ou um tirante que desempenha uma função de impedir não não estamos a matar nenhum inimigo mas
parte de alguém que vive em conformidade
de ouro verdadeiro. Por outro lado sabemos só que os negros tenham a educação básica sim a nós mesmos , ao mesmo tempo não so-
com o sistema mundial de supremacia branca
que não vamos para a faculdade pois desde a e conhecimentos que lhes permita libertar- mos nós que nos estamos a matar a nós mes-
e «são eles que se matam a eles próprios», con-
primeira classe nunca nenhum professor pux- em-se mais tarde, como impinge toda a men- mos mas sim o inimigo que nos esta a matar
clusão que os meios de comunicação ajudam
ou por nós, porque presumiu que não valeria talidade ocidental, capitalista e racista e, asse- usando as nossas próprias mãos.
a tornam ainda mais fácil de tirar quando
a pena perder o seu tempo a tentar ensinar o gura por fim que os negros não saem do fundo
ao apresentar a notícia ao público apelida o
filho do servente. Mesmo que fossemos para a da escala social. Não temos em conta nenhum
fenómeno como “ rixa de gangues “, ou seja,
faculdade a possibilidade de arranjar um bom destes fatores quando o nosso igual nos tira
uma maneira mais curta de dizer «são eles que
emprego onde pudéssemos comprar um bom o telemóvel, olhamo-lo apenas como culpado
se matam a eles próprios». Apresentando-se
chapéu, um bom telemóvel ou um bom tirante da situação sem ver os verdadeiros culpados.
assim como não tendo nenhuma relação com o
é mínima. Mas sabe-se la se por poupanças Vemo-lo como alguém que merece e ira sof-
acontecimento, subtraindo-se qualquer culpa.
do trabalho da nossa mãe ou pelo nosso « tra- rer a nossa retaliação enquanto os verdadeiros
Este tipo de pensando é da mesma natureza da
balho» dentro ou a margem da lei consegui- culpados se encontram no centro comercial a
de quem afirma que «eram os próprios negros
mos ter um chapéu de marca, um telemóvel comprar um telemóvel que vale quatro vezes
que capturavam outros negros para os vender-
topo de gama ou um fio de ouro. Quando o mais do que aquele que o irmão nos tirou.
em como escravos aos europeus, logo não são
nosso irmão nos tira esse bem material, que Todos nos temos a tendência de nos deixar-
os europeus os únicos ou principais causadores
não passa disso mesmo em termos práticos, mos dominar pelo ego, deixando de dar pri-
de tráfico de escravos». Se este raciocínio não
nós saímos de nós e somos cegados por uma oridade ao bem comum o que é resultado da
fosse falacioso quando X paga a Y para matar
raiva para com o nosso igual pois só nos sabe- nossa infeção pelo vírus que é o pensamento
Z, X seria absolvido em tribunal já que não
mos o quanto nos custou possuir aquele ob- ocidental em que o individuo se sobrepõe ao
teria nenhuma relação com o homicídio, mas
jeto. Não conseguimos ver o plano mais am- grupo. Este domínio do ego em nos negros,
na realidade X e o causador do homicídio, fa-
plo, não vemos que o nosso irmão quis tanto combinado com o complexo de inferioridade
zendo 2 vítimas: Z, que foi assassinado e Y,
o chapéu, o telemóvel ou o tirante tanto como criado pelos europeus desperta em nós a ne-
o autor material do crime que sujou as mãos
nós mas não teve outro meio para consegui-lo cessidade de, sempre que possível, demonstrar
aliciado por X. Assim como os europeus orig-
a não ser tira-lo do próprio semelhante; não o nosso valor ou poder de modo económico,
inaram, com a sua demanda por mão-de-obra
vemos todo o sistema capitalista que nos in- intelectual ou, do modo mais frequente, o físi-
gratuita para uma mais eficaz acumulação
jeta um consumismo desmedido aproveitando co. Essa demonstração do poder físico, se não
de bens e capitais, o contexto em que os ne-
o nosso complexo de inferioridade enquanto for através da dança ou do desporto, traduz-se
gros caçavam e vendiam outros negros, assim
negro que esse próprio sistema criou desde o normalmente em violência. A gravidade dis-
como todo o Ocidente atual é responsáv-
inicio do saque dos seres humanos de Áfri- so é que essa violência resulta em que sejamos
el pelo contexto mundial em que os negros
ca, e que os faz pensar que precisamos dos nos mesmos as vítimas dela. A causa é que os
“ se matam uns aos outros “ quer em África,
seus bens materiais, como chapéu, telemóvel poucos que têm os meios de produção, o poder
na América ou aqui no cu de Europa como
e joias para nos sentirmos de algum modo económico, têm-nos quase na totalidade. A
aconteceu recentemente com Lenine. O que
valorizados perante um branco; não pensam- fina fatia que resta deste bolo tem de se di-
alguns desconhecem, outros ignoram e muitos
os num sistema colonial cujo único objetivo vidida pelos milhares de nós, e, obviamente,
querem esconder é que os negros continuam
foi extrair ao máximo os capitais da colonia essa fatia não chega para todos, então o que
oprimidos, económica, social e culturalmente,
usando a mão-de-obra local numa neo-escra- fazemos e enfrentarmo-nos, espancarmo-nos,
e sabe-se que nesta situação o elemento
vatura, sem desenvolver infraestruturas que atropelarmo-nos e matarmo-nos por uma mi-
oprimido dirige a sua violência ou frustração,
permitissem uma verdadeira independência galha dessa fina fatia. Porque não nos viramos
em primeiro lugar, em direção ao seu semel-
económica, obrigando assim as nossas mães então para a causa e os causadores da nossa
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