Page 24 - Jornal Gueto 2017
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AS GRADES
DA OPRESSÃO
O encarceramento dos africanos na diáspora é HIV, mortos por homicídio etc... As prisões que números ou objetos, é fácil prender-nos e vezes fica preso efetivamente logo à primeira
um dos aspetos mais graves da nossa condição americanas estão a contribuir para a extinção destruir as nossas vidas. Conheço o caso de um vez que comete um roubo, ao passo que um
atual no mundo. A prisão é uma das maiores matemática dos afro-americanos. senhor, entre muitos outros, que foi condena- branco fica só à terceira vez. Muitos são os
armas da hegemonia europeia contra os africa- Na europa a situação é igualmente do a uma pena de 8 anos por tráfico, por ter casos de presos que estão a cumprir pena por
nos, e faz parte das várias formas de genocídio alarmante, embora menos falada e estudada. dado boleia a um dos implicados no caso. Não um crime que cometeram e por mais dois ou
de que temos sido alvo. Nos estados unidos, A percentagem de africanos presos na europa havia nada que o ligasse diretamente ao crime, três processos que a polícia inventou já depois
o aprisionamento dos afro-americanos é um é elevada, sobretudo em países como frança, mas como a polícia escreveu o nome dele no de terem sido detidos. Um pormenor que fa-
problema crónico. Os afro-americanos são 12 Inglaterra, Portugal e Espanha. Estando à papel como sendo o arguido que faltava en- cilita as sentenças injustas, é a lei que faz da
por cento da população dos EUA, mas con- partida em situação de grande desvantagem contrar, e um inspetor testemunhou contra prova produzida em audiência a prova funda-
stituem 40% da população prisional desse económica em relação aos europeus, o imi- ele, condenaram-no. Ele nunca cometeu um mental para a decisão dos juízes. Isso leva a
país. Cerca de 12 por cento de todos os jovens grante africano e seus descendentes são facil- crime que seja, sempre trabalhou desde que que em muitos casos em que a polícia não tem
negros com idade entre vinte e cinco e vinte mente criminalizados. Em Portugal, particu- está em Portugal e tem mais de dez anos de provas materiais, basta qualquer pessoa pos-
e nove estarão atrás das grades em dado mo- larmente na área da grande lisboa, os negros descontos para a segurança social. Com mul- ta como testemunha afirmar no julgamento
mento da sua vida, em comparação com menos constituem a maioria nas prisões. Frequente- her, e filhos para criar, não é difícil imaginar que o arguido cometeu o crime para que ele
de 2 por cento dos homens brancos na mesma mente, cai-se numa dupla armadilha montada o estrago que fizeram na vida dele. Esse tipo seja condenado. E se for um agente da polí-
faixa etária. Ao longo de uma vida, quase um pelo estado e pela sociedade. A sociedade em de montagem de processos é bastante comum. cia a testemunhar, a sua palavra nunca é posta
em cada três jovens negros vai passar algum que vivemos é extremamente falsa, porque por Desde que a pessoa seja negra, encaixam como em causa. Existe muito sofrimento silencioso
tempo na prisão. Um estudo recente mostrou um lado promove de forma doentia o materi- bem entendem nos processos, e se a pessoa es- de africanos injustiçados atrás das grades em
que o número de afro-americanos presos é su- alismo e o consumismo como ideais a atingir, colhida tiver cadastro ainda melhor, porque Portugal, que deve ser denunciado. As pes-
perior ao número de todos os africanos que valorizando as pessoas pelos bens materiais reforça a credibilidade da polícia. soas atingidas conformam-se com a situação,
foram feitos escravos nos estados unidos. Isto que possuem; Por outro lado, quando alguém O sistema judicial português é profunda- porque não têm meios para se defenderem de
é pura escravatura moderna mascarada pelo comete crimes por razões materiais, é a mes- mente racista, injusto e criminoso. Há jovens um sistema que causa danos irreparáveis nas
estado norte-americano. ma sociedade que aparece para condenar. negros condenados a 18 anos de prisão por suas vidas.
A prisão cria um caos completo na família Para além da culpa que temos que atribuir roubo de telemóveis, por terem vários proces- Quando cometemos um crime que vem
africana, porque inverte os papéis do homem ao conjunto do sistema político, económico e sos. Os crimes que são mais penalizados são a público, a comunicação social e a socie-
e da mulher na sociedade, tem consequências judicial português por criar as condições que crimes normalmente praticados por pessoas dade portuguesa individualizam logo o caso,
bastante negativas na educação dos filhos que levam ao emprisionamento dos africanos, so- da classe baixa como furtos, roubo e peque- sem nunca tocar nos problemas sociais com
são obrigados a viver com mãe, pai ou famil- mos altamente injustiçados a muitos níveis. no tráfico. O sistema é suave até demais com que nos defrontamos todos os dias. Nós pas-
iares próximos ausentes, mutila a capacidade Contam-se aos milhares as pessoas da nossa crimes como violação, pedofilia, crimes finan- samos a existir quando há crime envolvido. As
económica das famílias, porque como há mais comunidade que estão na prisão sem terem ceiros e mesmo homicídios, que são crimes drogas inundam as nossas comunidades, mas
homens presos do que mulheres, e normal- cometido nenhum crime, e que pagam sim- bastante graves que deixam marcas para toda ninguém questiona sobre que forças estão por
mente são os homens que contribuem com plesmente por serem negros. A polícia ju- a vida. Muitos dos crimes praticados por jov- detrás disso, como se nós tivéssemos inventa-
a maior parte dos recursos, muitas famílias diciária tem fama de ser eficaz, e não é por ens africanos causam mais danos materiais do do a droga e fôssemos nós os que mais lucram
ficam paralisadas. A prisão põe também em acaso. A PJ em muitos processos cujos verda- que outra coisa. Esses acabam por ser mais com o tráfico. Os nossos inimigos sabem que
causa a própria reprodução das comunidades. deiros responsáveis não encontra, acusa pes- penalizados do que homicídios, sobretudo se ao assassinarem a nossa imagem, e ao pren-
No caso dos afro-americanos, os dados reve- soas que pouco ou nada têm a ver com o crime, praticados por europeus. Há sem dúvida um der-nos, reduzem o nosso potencial de in-
lam que há um ratio de 4 mulheres para apenas e prende a pessoa no lugar dos verdadeiros au- tratamento diferenciado para os negros. Pelos vertermos a nossa situação de classe e a nossa
um homem, o que além do número de presos tores. Os agentes têm que mostrar serviço a mesmos crimes penas e medidas de coação situação racial.
se deve também ao número de infetados com qualquer custo, e nós como não somos mais do diferentes. É um facto que um negro muitas
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