Page 16 - Jornal Gueto 2017
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Em geral, como caracterizaria o estado at- ba, eu estou sempre disposto a descobrir nos um sentimento de inferioridade e sem a ne-
ual do domínio europeu sobre nós? textos africanos, como o Odu Ifa, palavras que cessidade de vociferar ou exagerar sobre quem
“O que é representado no mundo europeu é
possam explicar o que eu estou a pensar. O eles são como seres humanos.
a descrença, porque os europeus
Molefi Kete Asante: texto diz que Ifa não exige conhecimento, ri-
consideram quase impossível imaginar que
Eu diria que existem vários aspectos liga- queza ou educação, mas Ifa exige bom caráter. Você criou um conceito no campo dos es-
os negros que eles conquistaram,
dos a esta questão: o continente africano, a Lembrar os nossos antepassados, vai ensinar tudos africanos a que você chamou de “af-
subjugaram e escravizaram, possam ter
diáspora africana nas Américas, e os africanos aos nossos filhos e a nós próprios como con- ricologia.” O que você pretende alcançar
produzido tal civilização.”
na Europa. No continente temos consegui- struir um bom caráter. com este conceito?
do a liberdade política, mas não a liberdade
cultural ou econômica. A Europa domina, e Molefi Kete Asante:
onde a Europa não domina como na Mau- A contribuição intelectual-chave que dei, é
ritânia e Sudão, os árabes dominam cultural- “eu vejo o papel dos nossos antepassados a construção teórica a que chamamos “Afro-
Acha que o cristianismo e o islamismo mente, economicamente, e na realidade, mes- como exemplos culturais, de inspiração centricidade”. Isso significa que podemos
constituem um obstáculo à nossa liber- mo politicamente. Na Diáspora Africana nas psicológica, e construção do caráter. ” determinar como e onde os africanos foram
tação e completa autodeterminação? Américas a situação ainda é aquela em que os movidos para fora dos seus próprios termos.
africanos estão na parte inferior das escadas Afrocentricidade é a ideia de que os africa-
Molefi Kete Asante: econômicas e políticas, embora existam ilhas nos devem assumir um sentido do seu próprio
Na medida em que qualquer religião leva os de sucesso como é o caso de Barack Obama e Com base no conhecimento que você tem lugar de sujeito, um sentido de agência que se
africanos para fora dos nossos próprios ter- Hugo Chávez, dois descendentes de africanos, sobre a história africana, que juízo faz so- relaciona com a ideia de autodeterminação.
mos, e nos leva a questionar a inteligência ou que são líderes das suas nações. bre a capacidade e o potencial dos jovens Isso também significa que, a nível intelectu-
a sabedoria dos nossos antepassados, ou nos Por outro lado, não se pode apontar para um africanos de hoje, especialmente aqueles al, quando alguém, preto, branco ou amarelo,
leva a degradá-los, a não falar a sua língua, ou país onde os negros alcançaram a paridade que vivem ou nasceram na diáspora, para estuda África deve permitir que a África fale
usar os seus nomes, perdemos o nosso camin- com os brancos, quer em termos económicos, capturar e transmitir os valores dos nossos por si própria. Afrocentricidade é sobre esta
ho nas moitas da religião de alguém. Não há políticos ou culturais. Cuba pode ser o mais antepassados? relação que nega a ideia dos africanos à mar-
nada de errado com a descoberta de liberdade próximo a esse objetivo, mas o racismo ain- gem ou periferia da Europa. Africologia é sim-
e autodeterminação, por razões próprias de da é um problema entre os cubanos. A situ- Molefi Kete Asante: plesmente o estudo afrocentrado de qualquer
cada um. ação no Brasil está a melhorar, pelo que sei A juventude na diáspora africana, nas Améri- fenômeno africano.
através das minhas muitas visitas, mas o país cas e na Europa, aqueles que nasceram nessas
Como explica a resistência dos europeus continua a ser um bastião da marginalização regiões estão à espera de alguma inspiração
em situar o Egito, histórica e cultural- negra, especialmente fora das grandes cidades. que lhes permita recuperar o seu pé no meio
mente, na África, e a sua negação das con- Na Europa, a situação continua a ser aquela de um mundo europeu, onde estão muitas
tribuições que a antiga civilização egípcia em que os negros têm impacto limitado sobre vezes fora de equilíbrio, porque eles não po-
deu a outras civilizações? as nações europeias. Há algumas autoridades dem e não se relacionam com a sua própria
eleitas em alguns dos países, alguns negros de base cultural, e não têm nenhuma maneira de
Molefi Kete Asante: alto perfil na França e na Inglaterra, mas em realmente entrar na cultura europeia em pé
nenhuma parte da Europa vemos a igualdade
Os europeus acham as realizações do Egito de igualdade com os brancos. Os jovens são
económica e política dos negros.
inacreditáveis, apenas no sentido em que os capazes e completamente prontos para reivin-
africanos criaram esta civilização muito antes dicar a sua cultura, os mais velhos devem re-
da chegada dos árabes ou europeus. O que é Na sua opinião, qual é a relevância e o pa- fletir sobre a situação e agir. A maioria dos
representado no mundo europeu é a descrença, pel dos nossos ancestrais na vida dos afri- jovens está numa terra de ninguém, flutuando
porque os europeus consideram quase impos- canos de hoje, e na luta pela libertação? entre um lugar que eles não conhecem e outro
sível imaginar que os negros que eles conquis- lugar que não os conhece. Temos que propor-
Molefi Kete Asante:
taram, subjugaram e escravizaram, possam ter cionar escolas, seminários, workshops, progra-
produzido tal civilização. Eles preferem acred- Bem, eu não posso falar por todos os africa- mas de treinamento, clubes e atividades para
itar que as civilizações dos marcianos ou Jup- nos, mas falando por mim eu vejo o papel dos as crianças. Esta é a maneira, por meio da qual
terianos é que criaram o Egito. Mas, os fatos nossos antepassados como exemplos culturais, eles ganham força e confiança e são, então, ca-
são o que são, a civilização do Egito é a dádiva de inspiração psicológica, e construção do pazes de encontrar e discutir, cumprimentar
dos africanos dada ao mundo. caráter. Como um descendente do povo Yoru- e conhecer os seus homólogos europeus, sem
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