Page 11 - Revista Ateísta | 4ª Edição
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11 ANO 2018 OPINIÃO DE: Daniel F. Gontijo
Mestrado em Neurociência
satisfeitas com a vida? Parece que não. No máximo, Mas precisamos ir com calma. Nossa revisão
poderíamos afirmar que, entre estudantes, e por possui limitações, e alguns de seus achados específicos
motivos ainda desconhecidos, estudar em casa tende – como o que acabamos de discutir – devem ser
a estar positivamente correlacionado com a satisfação interpretados como inconclusivos. Precisamos lembrar
com a vida. Analogamente, a maior parte dos dados que esses estudos falam sobre tendências estatísticas, as
atuais apenas nos permite afirmar que, entre pessoas quais podem variar conforme variam as características
religiosas, as que são espiritualmente mais ativas – por das amostras investigadas. Aliás, precisamos ter
exemplo, as que oram mais, as que são mais assíduas em mente que os integrantes de um mesmo grupo
em reuniões religiosas e as que têm mais fé em Deus apresentam suas diferenças individuais. Por exemplo,
– tendem a apresentar uma saúde mental um pouco pesquisas recentes têm indicado que a saúde mental
melhor. Portanto, e apesar das aparências, isso não diz de ateus mais convictos – isto é, os mais confiantes de
coisa alguma sobre os ateus. que Deus não existe – é melhor do que a de ateus mais
“moderados” (Galen & Kloet, 2011). Por motivos que
Em vista disso, nosso grupo de pesquisa está precisam ser mais bem esclarecidos, é possível que, em
realizando uma revisão sistemática de estudos que relação à saúde mental, as certezas existenciais sejam
compararam diretamente pessoas religiosas com pessoas mais importantes do que as crenças existenciais. Esse
não religiosas – incluindo os ateus. Até o momento, pode ser um dos motivos por que, em nossa revisão, o
verificamos que 87,5% dos resultados das comparações grupo que apresentou resultados relativamente piores
realizadas entre ateus e diversos subgrupos de religiosos de saúde mental foi o dos agnósticos. Se esse for o
foram similares. Encontramos evidências de que os caso, então ateus e religiosos mais convictos poderiam
ateus entrevistados se assemelhavam aos religiosos afirmar, em uma e só voz, que “Estamos bem, graças às
em relação a sintomas depressivos, estresse, bem-estar nossas convicções”.
e satisfação com a vida. Contudo, duas das quatro
comparações relativas à variável “sentido da vida” foram Brincadeiras à parte, saúde mental é coisa séria,
positivas para os religiosos. Uma vez que esses achados e o delírio dos psicóticos é uma boa evidência de que
foram obtidos a partir de amostras de idosos, é possível não podemos contar apenas com as nossas convicções.
que os descrentes sejam mais suscetíveis a “turbulências Na verdade, muitas características individuais básicas
existenciais” durante essa fase da vida. Nesse sentido, a – tais como a idade, o suporte social e até o gênero –
religião pode estar cumprindo aí uma de suas principais correlacionam-se mais fortemente com o bem-estar do
funções: fornecer às pessoas recursos psicológicos que que a crença – ou a descrença – em Deus (Galen & Kloet,
as auxiliem a enfrentar situações adversas – como a de 2011). Ainda que a religiosidade possa ajudar um pouco
encarar a aproximação da própria morte. durante as adversidades, parece que estamos indo bem
por nossa própria conta. E, no final das contas, parece
que já temos algumas evidências de que, por bem ou
por mal, as graças e as desgraças da nossa saúde mental
dependem só de nós mesmos – quer sejamos religiosos,
quer não.
Daniel F. Gontijo é psicólogo, professor de Psicologia e
doutorando em Neurociências (UFMG)
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