Page 196 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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                                                SHASTA COMEÇA A VIAGEM






                        Conta-se aqui uma aventura que começou na Calormânia e foi acabar
                  em Nárnia, na Idade do Ouro, quando Pedro era o Grande Rei de Nárnia e
                  seu irmão também era rei, e rainhas suas irmãs.

                        Vivia  naqueles  tempos,  numa  pequena  enseada  bem  ao  sul  da
                  Calormânia,  um  pobre  pescador  chamado  Arriche;  com  ele  morava  um
                  menino que o chamava de pai. O nome do menino era Shasta. Quase todos
                  os dias, Arriche saía de manhã para pescar e, à tarde, atrelava o burro a
                  uma  carroça  e  ia  vender  os  peixes  no  vilarejo  que  ficava  cerca  de  um
                  quilômetro mais para o sul. Quando a venda era boa, ele voltava para casa
                  com o humor um pouco melhor e nada dizia a Shasta. Mas quando a venda
                  era fraca descobria defeitos no menino e às vezes até o espancava. Sempre
                  havia motivos para achar malfeitos, pois Shasta vivia cheio de coisas para
                  fazer: remendar ou costurar as redes, fazer a comida, limpar a cabana em
                  que moravam...

                        Shasta  não  tinha  o  mínimo  interesse  pela  vila  onde  o  pai  vendia  o
                  pescado.  Nas  poucas  vezes  em  que  tinha  ido  lá  não  vira  nada  de
                  interessante.  Só  encontrara  gente  parecida  com  o  pai:  homens  barbudos,
                  usando mantos sujos e compridos, turbantes na cabeça e tamancos de pau
                  de bico virado para cima, e que resmungavam entre si uma conversa mole e
                  enjoada. Mas tudo o que existia do lado oposto, no Norte, despertava uma
                  enorme  curiosidade  em  Shasta,  pois  ninguém  jamais  ia  para  lá,  e  ele
                  próprio não tinha permissão para isso. Quanto se sentava à soleira da porta,
                  remendando as redes, costumava olhar ansiosamente para aqueles lados.

                        Às vezes perguntava:
                        - Pai, o que existe depois daquela serra?

                        Se  o  pescador  estava  mal-humorado,  dava-lhe  um  sopapo  no  pé  do
                  ouvido e lhe mandava prestar atenção no trabalho. Se o dia era de boa paz,
                  Arriche respondia:

                        - Meu filho, não deixe o seu espírito se perder em divãgações. E como
                  diz um dos grandes poetas: “A atenção é o caminho da prosperidade, e os
                  que metem o nariz onde não são chamados acabam quebrando a cara no
                  pedregulho da miséria.”
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