Page 295 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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calormanos. Os mais bravos tremiam quando ele fazia essas caras; os mais
                  simples  caíam  no  chão;  e  os  mais  sensíveis  geralmente  desmaiavam.
                  Rabadash  só  esquecera  uma  coisa:  muito  fácil  é  apavorar  quem  se  pode
                  mandar cozinhar vivo com uma palavra. Na Arquelândia, porém, as caretas
                  não produziam o menor efeito. Lúcia chegou até a pensar que ele estava
                  passando mal e ia ficar pior.

                        -  Diabo!  Diabo!  Diabo!  - guinchava o príncipe.  -  Sei  quem  você é.
                  Você é o espírito mau de Nárnia. O inimigo dos deuses. Sabe com quem
                  está  falando?  Sabe,  fantasma?  Descendo  de  Tash,  o  inexorável,  o
                  irresistível.  Caia  sobre  você  a  maldição  de  Tash!  Raios  em  forma  de
                  escorpião chovam sobre você. As montanhas de Nárnia serão reduzidas a
                  cinzas. O...

                        - Calma, Rabadash - disse Aslam, com placi-

                        dez. - O destino está próximo. Está à porta. Já levantou o trinco.
                        - Caiam os céus! - guinchou Rabadash. - Escancare-se a terra! Sangue
                  e fogo entupam o mundo! Pois fiquem sabendo que nem assim descansarei,
                  até arrastar para o meu palácio, pelos cabelos, essa rainha bárbara, filha de
                  cachorros, a...

                        - Chegou a hora - disse Aslam.

                        Para  seu  horror  supremo,  Rabadash  viu  que  todos  estavam  às
                  gargalhadas.

                        Não  era  possível  fazer  outra  coisa,  a  não  ser  dar  risadas.  Rabadash
                  estivera  abanando  as  orelhas  o  tempo  todo,  e,  assim  que  Aslam  disse
                  “Chegou a hora!”, suas orelhas começaram a ficar mais compridas e mais
                  pontudas  e  acabaram  cobertas  de  pêlo  cinzento.  E,  enquanto  todos  se
                  indagavam onde já tinham visto orelhas como aquelas, também a cara de
                  Rabadash começou a mudar. Mais comprida... mais larga... mais olhuda...
                  Nariz afundado na cara (ou era uma cara se inchando toda e virando um
                  narigão?).  Tudo peludo.  Os  braços foram  ficando compridos, compridos,
                  até  que  as  mãos  tocaram  no  chão.  Só  que  não  eram  mãos:  eram  cascos.
                  Quatro cascos. Sumiram as roupas, debaixo de gargalhadas e de aplausos
                  (que fazer?), pois agora Rabadash era simplesmente, inequivocamente, um
                  burro.  O  terrível  é  que  a  sua  fala  humana  durou  um  momento  além  da
                  figura humana, e, assim, quando percebeu a transformação, berrou:

                        - Ó, burro não! Piedade! Burro não! Até cavalo serve...  cavalo ainda
                  aceito...  Burro  não!  rem...  rê...  rô...  ri...  rá...  E  assim  as  palavras  se
                  perderam num vasto zurro de burro.
                        - Agora me ouça, Rabadash - falou Aslam. - A justiça é mesclada de
                  compaixão. Você não será um asno para sempre.
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