Page 487 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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Não tinha página de títulos, nem índice. Os encantamentos iam logo
                  começando; nos primeiros nada havia de importante. Eram curas para ver-
                  rugas (lavar as mãos numa bacia de prata ao luar), para dores de dentes,
                  para convulsões, para se ver livre de um enxame de abelhas... A gravura
                  que representava um homem com dor de dente era tão viva e real que os
                  dentes começariam a doer se se olhasse muito tempo para ela. As abelhas
                  douradas que salpicavam o princípio do terceiro

                         encantamento pareciam de repente que voavam mesmo.

                         Lúcia custou a passar da primeira página; quando a virou, viu que a
                  seguinte  era  tão  interessante  quanto  a  primeira.  “Tenho  de  continuar”,
                  afirmou para si mesma. E assim continuou durante mais de trinta páginas.
                  Se  pudesse  decorá-las,  teria  aprendido  a  achar  um  tesouro  enterrado,  a
                  lembrar coisas esquecidas, a esquecer coisas aborrecidas, a adivinhar se os
                  outros dizem a verdade, a evitar e chamar o vento, o nevoeiro, a neve, a
                  geada, a mergulhar as pessoas no sono (como aconteceu ao pobre Príncipe
                  das Orelhas de Burro). Quanto mais lia, mais reais e maravilhosas eram as
                  gravuras. Por fim, chegou a uma página na qual havia tantas gravuras que
                  quase não se viam os dizeres. Mal se distinguiam. Mas Lúcia viu logo as
                  primeiras palavras:

                                             UM FEITIÇO INFALÍVEL
                                           PARA TORNAR MAIS BELA

                                         DO QUE TODOS OS MORTAIS

                                        AQUELA QUE O PRONUNCIAR.

                         Lúcia observou as gravuras com a face colada à página e, ainda que
                  antes lhe tivessem parecido confusas e embaralhadas, eram agora nítidas.

                         A  primeira  representava  uma  garota  lendo  numa  estante  de  leitura
                  um  livro  enorme.  A  garota  estava  vestida  exatamente  como  Lúcia.  Na
                  gravura  seguinte,  Lúcia  (pois  a  garota  da  gravura  era  a  própria  Lúcia)
                  estava em pé, de boca aberta, contando ou recitando qualquer coisa, com
                  uma expressão bastante esquisita. Na terceira gravura, havia atingido uma
                  tal beleza que passava os limites dos mortais. Era estranho, considerando
                  que  a  gravura  lhe  parecera  pequena  a  princípio,  que  a  Lúcia  da  gravura
                  parecesse  agora  tão  grande  como  a  verdadeira  Lúcia.  Olharam-se  nos
                  olhos, e a Lúcia real teve de desviar os seus, de tal modo ficou ofuscada
                  pela  beleza  da  outra  Lúcia,  ainda  que  visse  uma  espécie  de  semelhança
                  consigo mesma naquela face deslumbrante.
                         O número de gravuras que lhe diziam respeito começou a aumentar,
                  mais  depressa  e  em  maior  profusão.  Via-se  num  alto  trono,  num  grande
                  torneio em Calormânia, e todos os reis do mundo lutando por causa de sua
                  beleza.  Os  torneios  viravam  guerras,  e  toda  a  Nárnia,  a  Arquelândia,
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