Page 598 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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gente se “desliga” da barulhada do tráfego na rua. Estavam comendo carne
fria, uma caça que Jill nunca tinha provado antes, mas estava gostando.
De repente Brejeiro virou-se para os dois, e a cara dele estava tão
pálida que era possível enxergar a palidez sob o aspecto enlameado de sua
fisionomia.
– Parem de comer – disse ele –, nem mais uma garfada!
– Que está acontecendo? – perguntaram.
– Não estão ouvindo o que os gigantes estão dizendo?”Que bom
pernil macio”, disse um. “Então aquele cervo era um mentiroso”, disse o
outro. “Por quê?”, perguntou o primeiro. “Ué, quando foi agarrado, ele
implorou: ‘Não me matem, minha carne é muito dura, vocês vão detestar’.”
Jill só entendeu tudo quando Eustáquio arregalou os olhos e
exclamou:
– Epa! Estamos comendo um cervo falante!
A descoberta não produziu sobre os três um efeito idêntico. Jill, que
era novata naquele mundo, sentiu pena do pobre cervo e pensou horrores
dos gigantes que o haviam matado. Eustáquio, que lá estivera antes e que
fizera pelo menos uma grande amizade com um bicho falante, ficou
indignado com aquele crime a sangue-frio. Mas Brejeiro, narniano de
nascença, sentiu-se muito mal, como se sentiria um ser humano que tivesse
almoçado um bebê.
– Provocamos a ira de Aslam – disse ele. – É o que acontece quando
não obedecemos aos sinais. Pesa sobre nós uma maldição. O melhor que
poderíamos fazer era cravar estas facas em nossos corações – se isso nos
fosse concedido.
Pouco a pouco, até Jill passou a aceitar esse ponto de vista. Uma
coisa foi certa: ninguém quis comer mais.
Estava chegando a hora decisiva da qual dependeria a esperança de
fugir. Todos se encontravam nervosos. Postaram-se na passagem e
esperaram. Os gigantes ficaram ainda um bom tempo no salão, depois de
terminado o almoço. O careca contava um caso. Ao final, os três, como
quem não quer nada, foram caminhando devagarzinho para a cozinha.
Ainda havia uma pá de gigantes na copa, lavando e arrumando as coisas.
Foi de morte esperar que terminassem o trabalho. Por fim lavaram as mãos
e se foram, um atrás do outro. Só ficou na cozinha uma velha giganta, que
mexia numa coisa, mexia em outra, até que os três compreenderam,
horrorizados, que ela não tinha a intenção de sair.
– Bem, meus amorecos – disse ela –, façam-me um favorzinho:
vejam se a porta da copa está aberta.