Page 69 - Os Manuscritos do Mar Morto
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fosse feita uma troca do termo Deus por Cristo nessa passagem do mar Morto, o texto
praticamente se tornaria “cristão”.
Embora esse seja um texto extremamente significativo, deve-se levar em
consideração o problema que cerca a autoria desse trecho. Ele parece ser uma
interpolação feita posteriormente por um outro autor que não Paulo (cf. FITZMYER,
1997:143). Independente disso, sendo ou não uma interpolação, o trecho reflete bem os
ideais essênios. Mesmo se forem levados em consideração apenas critérios textuais
nessa análise, o texto é bem colocado para fazer comparações.
Esse texto paulino procura acentuar a incompatibilidade entre os dois lados
como em Qumran. “Tu instruis o teu servo [...] dos espíritos do homem, porque de
acordo com os espíritos os designas entre o bem e o mal” (1QH 6:11). São vários os
textos qumrânicos que como esse, procuram polarizar o mundo em dois blocos. Note
como 1QS 3:19-22 evidencia essa polarização com clareza:
Do manancial da luz provêm as gerações da verdade, e da fonte das trevas as
gerações de falsidade. Na mão do Príncipe das Luzes está o domínio sobre
todos os filhos da justiça; eles andam por caminhos de luz. E na mão do
Anjo das trevas está todo o domínio sobre os filhos da falsidade; eles andam
por caminhos de trevas. Por causa do Anjo das trevas se extraviam todos os
filhos da justiça, e todos os seus pecados, suas iniqüidades, suas faltas e suas
obras rebeldes, estão sob o seu domínio.
Pelo modo de ver qumrânico, a parcela pertencente ao bem, que estava sob o
domínio das luzes e que por esta caminhava eram os próprios homens de Qumran. Este
texto, se colocado ao lado de 2Cor 6:14-7:1, apresenta semelhanças consideráveis.
Em muitas outras partes dos MQ podemos encontrar o mesmo dualismo,
utilizando por vezes palavras diferentes, mas preservando o mesmo sentido. Nos
escritos hinários podemos encontrá-lo também.
Porém, tu revelaste os caminhos da verdade e as obras da maldade, a
sabedoria e a loucura, [...] suas obras: verdade e inteligência, iniqüidade e
loucura. Todos marcharam [...] misericórdias e graça eterna para todos os
seus períodos de paz, e ruína para todos [...] os seus juízos. Glória eterna,
delícia e gozo perpétuo para a obra boa... porém... castigos para a obra má
(1QH 5:9-13).
São dois os caminhos propostos pelo poeta. Cada um destes abriga um lote de
pessoas que receberá a recompensa de acordo com sua posição dentro desse arranjo
celeste.