Page 64 - Os Manuscritos do Mar Morto
P. 64

63



                  possui  o  mesmo  sentido  que  em  Paulo  quando  faz  sua  polarização  entre  bondade  e

                  maldade. Ao aconselhar os colossenses a revestirem-se de “entranhas de misericórdia,
                  de benignidade, de humildade, de modéstia, de paciência” (3:12), Paulo não deixa de

                  destacar o lado oposto, retratado por más qualidades como “a fornicação, a impureza, a
                  lascívia,  os  desejos  maus  e  a  avareza”  (3:5),  atributos  que  existem  “só  para  a

                  satisfação da carne” (2:23), algo contrário ao espírito de humildade.
                         O  próprio  Paulo  se  considerava  como  modelo  de  humildade  (2Cor  10:1)  e

                  instava  que  o  modo  de  vida  do  cristão  não  deveria  aspirar  às  coisas  “altas”,  mas

                  acomodar-se às “coisas humildes” (Rm 12:16).
                         A  relação  entre  esses  termos  em  Qumran,  particularmente  entre  pobres  e

                  humildes, é intrínseca. Segundo Lohfink,



                                         ... não há dúvida de que as palavras para pobreza em Qumran não significam
                                         só privação física, ser oprimido, ser perseguido. Incluem ao mesmo tempo
                                         que essa sorte é aceita perante Deus; mais, que pode valer como verdadeira
                                         expressão daquilo que o homem é em relação a Deus: nascido do pó. Nesse
                                         sentido o seu significado estende-se até à palavra “humildade” (2001:42).


                         O  mesmo  pode-se  dizer  em  Paulo.  Devido  ao  arcabouço  léxico  com  termos
                  relacionados à pobreza utilizado por ele para explicar temas inseridos na teologia cristã,

                  podemos deduzir que seu uso possui raízes sectárias.

                         Talvez se possa imaginar que essas formulações paulinas tenham sido oriundas
                  do  AT  ao  invés  do  sectarismo.  Na  verdade,  a  idéia  de  pobreza  relacionada  com  a

                  humildade não é originária de Qumran. Ela existe não só no AT, mas também em todo o
                  Antigo  Oriente  (cf.  LOHFINK,  2001:42).  No  entanto,  a  ênfase  dada  a  ela  na

                  comunidade,  com  seu  desenvolvimento  e  desdobramento  em  uma  série  de  termos
                  correlatos, é o que faz a diferença em Qumran. É essa a maneira que a comunidade do

                  mar Morto pensava a questão da pobreza, e foi daí que Paulo provavelmente apanhou e

                  desenvolveu a idéia em sua teologia.



                         Outro  aspecto  da  teologia  paulina  sempre  lembrado  por  alguns  autores  é  a
                  respeito da doutrina da justificação. Os hinos qumrânicos expressam muito bem a base

                  desse conceito que Paulo se apropriou e desenvolveu à sua maneira. Encontramos no
                  texto 1QH 15:26-33 um importante precedente da justificação paulina:
   59   60   61   62   63   64   65   66   67   68   69