Page 68 - Os Manuscritos do Mar Morto
P. 68

67



                         Quando  tratamos  do  dualismo  em  suas  comparações  entre  comunidades

                  sectárias, devemos ter como preocupação central indicar em que estágio se encontrava a
                  doutrina (ou outro conceito coligado) quando serviu de influência para um pensador ou

                  grupo.  Uma  vez  que  o  dualismo  era  compartilhado  entre  as  principais  correntes  de
                  pensamento  da  época,  muitas  das  semelhanças  que  vemos  poderiam  ser  na  verdade

                  coincidências, mesmo após passarem por um desenvolvimento particular pelas mãos de
                  alguém ou algum grupo. Evidentemente que isso não se aplica em todos os casos pelo

                  mesmo  motivo  citado  acima:  um  determinado  conceito  em  construção  ou  já

                  “plenamente formulado” servia como base a uma outra corrente religiosa ou pensador
                  “independente” que estava em outro estágio.

                         Deparamo-nos com um grande problema ao analisar-mos o dualismo de Qumran
                  comparado com os que  são vistos no NT. A semelhança com os  dualismos gregos e

                  gnóstico (espírito/matéria) é considerável. Pode-se destacar como maior diferença o fato
                  de  em  Qumran  não  haver  o  desprezo  pelo  material  como  entendido  pelas  outras

                  correntes dualistas, já que para Qumran a matéria era criação divina e por isso digna de

                  louvor. Para os gregos e gnósticos pelo contrário, a matéria era desprezível.
                         Estabelecer  as  diferenças  entre  estes  dualismos  não  é  fácil.  Como  admitiu

                  Flusser, “não se pode negar, é claro, que ambas as visões são muito semelhantes, e

                  quase idênticas em suas conseqüências morais e práticas. Um homem em contato com o
                  pensamento grego e judaico deve ter combinado com facilidade essas duas doutrinas”

                  (2000:79). Relevando esse  fator, percebe-se que  uma análise a fundo neste  tema nos
                  levaria a uma direção que  fugiria demasiadamente  da proposta inicial deste trabalho.

                  Sendo assim, nas comparações entre o dualismo qumrânico com o paulino, limito-me a
                  trabalhar  com  analogias  em  textos  que  apresentam  idéias  claramente  de  origem

                  palestina.
                                                            49
                          O já citado texto de 2Cor 6:14-7:1,  é uma referência muito boa quando se usa
                  a delimitação citada acima. O texto destaca o dualismo entre justiça e impiedade, luz e

                  trevas,  Cristo  e  Belial.  Por  isso,  acaba  sendo  uma  passagem-chave  para  comparação
                  com textos qumrânicos. O trecho condensa bem e reflete melhor do que qualquer outro

                  a  proximidade  com  dualismo  essênio.  Em  1QM  13:1-4,  vemos  uma  forma  bastante
                  parecida a esta, quando se faz bendito o Deus de Israel e maldito Belial e seu lote. Se






                  49
                    Cf. p. 37.
   63   64   65   66   67   68   69   70   71   72   73