Page 66 - Os Manuscritos do Mar Morto
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                  conhecimento razoável dos textos normativos de Qumran, fica fácil compreender que

                  um desvio simples de conduta entre os sectários resultava em punição na comunidade –
                  fato encarado como sendo de orientação divina. O “tropeçar por causa de um pecado

                  da  carne”  era  cometer  um  desvio  da  Lei,  algo  que  ainda  assim  poderia  ser
                  desconsiderado  no  Dia  do  Juízo  de  Deus  graças  à  sua  benignidade,  caso  houvesse  o

                  arrependimento  do  transgressor  e  este  voltasse  a  andar  segundo  as  prerrogativas  da
                  comunidade. O hino a seguir demonstra bem essa afirmação:





                                         [...] Bendito sejas, Senhor, porque o espírito de carne é perdoado por tuas
                                         misericórdias [...] com a força de teu poder, a grandeza de tua graça, com a
                                         abundância de teu bem, a lentidão de tua cólera e o zelo de teu limite (1QH
                                         5:4-5).




                         Segundo  o  modo  de  ver  qumrânico,  se  houvesse  o  retorno  do  dissidente  à

                  comunidade, Deus certamente não hesitaria em perdoá-lo. Deus é “quem perdoa aos
                  que  se  convertem  do  pecado”  (1QH  6:24),  uma  vez  que  o  fiel  esteja  unido  “aos

                  Numerosos [...para não] abandonar todos os teus preceitos” (1QH 7:15-16). Nunca se
                  pode esquecer que a concepção qumrânica de obediência a Deus está intrinsecamente

                  ligada pela obediência à Lei e aos acréscimos comunitários.

                         Evidentemente  que  Paulo,  a  despeito  de  demonstrar  grande  semelhança  no

                  tocante à justificação, não conservaria a Lei como em Qumran; pois segundo ele, os
                  homens “são justificados gratuitamente, por sua graça... realizada em Cristo Jesus”

                  (Rm 3:24).

                         Paulo possuía uma preocupação muito grande com temáticas relacionadas à Lei,

                  demonstrando  isso  a  partir  de  suas  cartas  aos  cristãos  coríntios  (cf.  SCHNELLE,

                  1999:55). Porém, em sua doutrina da justificação, Paulo não se mostrava preocupado
                  em sua relação com a Lei da mesma forma como era em Qumran. Paulo queria dar uma

                  resposta ao judaísmo como um todo. Por isso, da relação existente entre a justificação e
                  a  Lei  na  seita,  só  a  primeira  teve-lhe  utilidade,  sendo  a  Lei  substituída  por  outro

                  artifício. O professor Schnelle destaca como se deu isso em Paulo:



                                         Paulo,  por  causa  dos  judeus,  respeita  os  preceitos  da  Lei,  para  não  os
                                         escandalizar desnecessariamente e ganha-los para o Evangelho. O apóstolo
                                         rejeita  a  Lei  como  caminho  salvífico,  mas  pode  acatar  seus  preceitos  em
                                         virtude do anúncio do Evangelho. Do mesmo modo pode ser um sem-Lei,
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