Page 62 - Os Manuscritos do Mar Morto
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são ‘anawâ (5:22; humildes, modestos), ‘anî (9:36; 10:34; 13:13-14; miseráveis,
oprimidos), yatôm (13:20; órfão), petî (10:9; 5:2; simples, ingênuos, cândidos,
inocentes), e ainda ra’s e nimharîm com sentidos parecidos. Norbert Lohfink, após
analisar o hino 1QH 1:31-37, onde existe um dualismo de palavras muito forte que
retratam as divergências entre a ‘edâh (comunidade) e Israel, chegou à conclusão de que
o conjunto indica que o elemento da pobreza não é introduzido para
designar o orante na sua pequenez perante Deus, mas por causa da sua
marginalização social. Aqui está um indivíduo isolado, combatido,
perseguido contra a comunidade de Israel oficial e numerosa que não poupa
nenhum meio contra ele (2001:73).
De fato, essa análise nos ajuda a compreender a base do dualismo e da
justificação, temas correntes nas epístolas paulinas. Em várias outras passagens de
1QH, juntamente com as expressões pobre e aflito, vemos sentenças como “daí a
aliança para os que a buscam” (1QH 13:9). Isso mostra que o ponto de vista
qumrânico, de se autodenominarem como sendo os ’ebyônim, possui um caráter social
atrelado ao teológico. Não há a intenção de mostrar a pobreza somente ligada ao lado
material. Se assim o fosse, resultaria no emprego de um outro termo, como dal,
utilizado diversas vezes no AT para retratar a falta de meios econômicos (Lv 14:21; Is
25:4; Jr 5:4; Am 5:11; Sf 3:12 etc.). O fato citado acima sobre a importância da
“aliança para os que a buscam”, ressalta o valor da existência física da comunidade
como refúgio espiritual daqueles que procuram não mais habitar entre o Israel
maculado.
O apóstolo Paulo dá a mesma importância a isso, no entanto, trabalha essa
questão não apenas no aspecto social, mas a evolui para uma outra etapa, dando a ela
um sentido mais complexo. Essa complexidade se vê quando Paulo a utiliza não só para
dar reconhecimento aos cristãos dentro do meio social como os de Qumran faziam, mas
ele reforça a relação vertical, dos homens para com Deus.
Em partes de suas epístolas pode-se encontrar esse ideal sendo exposto
juntamente com seu dualismo. Estrofes como “não como isso, mas sim como isso”,
exprimem uma dualidade característica dos termos utilizados em Qumran, claro que de
uma forma diferenciada, inclusa dentro de um outro tipo de gênero. Quando Paulo diz
aos coríntios: “em todas as coisas nos mostramos como ministros de Deus... como
tristes, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo a muitos; como não tendo
nada, mas possuindo a tudo” (2Cor 6:4-10), percebe-se bem como ele dá maior