Page 61 - Os Manuscritos do Mar Morto
P. 61

60



                  comunidades mal-definidas religiosamente. Continham estruturas da religião judaica e

                  ao  mesmo  tempo  elementos  de  religiões  de  mistério;  e  junto  com  isso  passaram  a
                  desenvolver o cristianismo. O conteúdo destas comunidades, olhando por esse ângulo,

                  era uma mescla de doutrinas conhecidas com ensinos sectários, da mesma forma como
                  nas religiões de mistério.

                         Esta com certeza foi a forma pela qual houve a entrada de ideais essênios dentro
                  das  comunidades  cristãs.  Estes  acabaram  penetrando  dentro  destas  comunidades  de

                  forma bastante sutil e se solidificaram com o passar do tempo. Tanto a tradição paulina

                  quanto outras receberam essas influências, umas mais outras menos. A literatura hinária,
                  dentro dessa perspectiva, foi um dos principais “fios-condutores” responsável por esta

                  conexão.
                         Faz-se necessário agora apontar onde encontram-se as possíveis colaborações do

                  essenismo ao estrato cristão paulino, o qual me limito trabalhar neste capítulo.

                         Um exemplo interessante é o da utilização do conceito pobreza na teologia de

                  Paulo.  Esse  conceito  pode  ser  melhor  entendido  quando  trabalhado  à  luz  da
                  terminologia “pobres de espírito”, encontrada em Mt 5:3. O termo pobres de espírito,

                  representado  pela  expressão  hebraica  ‘anwê  ruah,  já  era  utilizado  nos  hinos  do  mar

                  Morto antes da composição do livro de Mateus e das epístolas paulinas (e.g. 1QH 6:3). 45
                  A  expressão  procura  enfatizar  a  simplicidade  e  a  humildade  frente  a  um  espírito  da

                  perversão  (1QH  5:21),  termo  esse  utilizado  para  representar  aqueles  que  não  se
                  enquadravam nos ditames da seita.


                         Nos hinos de Qumran, nos deparamos diversas vezes com termos relacionados à
                  pobreza, representando sempre um espírito brando, humilde. A palavra ’ebyôn (pobre),

                  é a mais freqüente entre as que procuram representar a pequenez do homem. Em 1QH,
                  encontramos o  conceito  pobre  em algumas passagens  em  conjunto  com outro termo,

                  como  “alma  do  pobre”  (13:18)  e  “pobres  da  misericórdia”  (13:22).  Estes  não  são

                  casos  isolados  descritos  em  1QH.  O  termo  ’ebyôn  é  encontrado  também  em  10:32,
                  11:25,  13:16  e  no  fragmento  16:3  (=3:3).  Além  desse,  nos  deparamos  com  termos

                  correlatos  como  ‘anaw  (13:21),  que  se  refere  a  humilde,  desamparado,  oprimido
                  (traduzido por Martínez em 6:3 como “pobres de espírito”). Outros termos semelhantes



                  45
                    Os textos citados de 1QH são pertencentes à recomposição feita por Émile Puech, que é a utilizada por
                  Martinez  em  sua  tradução.  Anterior  à  publicação  de  Puech,  existe  a  editio  princeps  de  Sukenik,  que
                  possuía erros que ele mesmo reconheceu posteriormente. Sua numeração dos hinos de 1QH é diferente da
                  que Puech adotou, que por sua vez é a que sigo com a tradução de Martinez.
   56   57   58   59   60   61   62   63   64   65   66