Page 56 - Os Manuscritos do Mar Morto
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o manancial de teu poder, [...] (vv. 11-13).
É fácil perceber que a disposição do cântico encontra-se em primeira pessoa. O
uso de expressões como “Instrutor”, ajuda a reforçar a idéia de que quem estava em
contato com Deus era alguém que servia como guia ou intérprete dos desígnios divinos
dentro da comunidade, levando a crer que este seria ninguém mais que o Mestre da
Justiça.
Apesar deste ponto de vista ser plausível de crédito, é necessário lembrar que o
estilo de escrita dos hinos está em harmonia com grande parte dos MQ, o que entraria
em desacordo com a idéia da redação direta do Mestre da Justiça; pois, pelo que tudo
indica, ele teve uma vida curta dentro da comunidade, remetendo somente a seus
primórdios.
Diversos estudiosos acreditam que parte destes hinos foi composta por
discípulos do Mestre da Justiça, que deram continuidade à criação dos hinos com o
mesmo estilo – o que solucionaria a questão das semelhanças entre os hinos. Estes
seriam hinos comunais, que com o passar do tempo foram sendo amalgamados com os
redigidos pelo Mestre da Justiça (artifício literário que ocorria com freqüência no
Antigo Israel), apesar de parecerem textos superficialmente homogêneos e coesos. Essa
junção entre diversos textos hinários foi paulatinamente atingindo uma forma final (fato
verificado mais facilmente em hinos de maior extensão, como 1QH). Muito
provavelmente as que chegaram até o presente foram também as que se consolidaram
no primeiro século cristão. 40
Infelizmente, com os dados que possuímos acerca dos hinos de Qumran, não se
pode fazer uma construção exata da evolução da vida litúrgica da comunidade, ou
mesmo se ter a certeza de que todo o material poético era destinado à liturgia (uma parte
parece representar manifestações individuais de louvor). No entanto, podemos ter a
certeza de que esse material era utilizado em grande escala entre os comunitários, sendo
muito provavelmente exportado para fora de Qumran.
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Quando há o uso de colchetes dessa maneira em um MQ ([...]), significa que o trecho do manuscrito
não pôde ser traduzido devido a seu mau estado de conservação. Em outras partes, inserido em colchetes,
pode se encontrar uma palavra ou frase (ex. Sucedeu que quando [se multiplicaram naqueles dias os
filhos dos homens, nasceram-lhes filhas] formosas e bel[as. Os Vigilantes, filhos do céu, viram-nas e
desejaram]. 4QHenoc 2:2-3). Isso indica que o trecho pôde ser reconstruído seguindo diversos modos
aplicados pelo tradutor.
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Para uma melhor compreensão da liberdade textual em Qumran, cf. CROSS, F. M. O texto por trás do
texto da Bíblia Hebraica. In: SHANKS, H. (Org.) Para compreender os Manuscritos do Mar Morto.
Trad. Laura Rumchinsky. RJ: Imago, 1993.