Page 51 - Os Manuscritos do Mar Morto
P. 51
50
retomarem a “adoração verdadeira” em um outro lugar, suscitando um “Mestre da
Justiça” (CD 1:11) para guiá-los nesse novo caminho.
Este Mestre da Justiça foi um indivíduo histórico. Embora não se consiga
33
identifica-lo verazmente com alguma figura de seu período, é certo que ele foi um
homem de grande estatura moral e espiritual em seus caóticos dias.
Aqueles que seguiram o Mestre da Justiça até o deserto levaram consigo o modo
de vida que possuíam até então, com todos os costumes relacionados à vida religiosa e
secular que desfrutavam os judeus do ambiente palestino.
Após a fixação do grupo em Qumran, percebe-se através de seus escritos uma
mudança significativa no modo de vida de seus pactuantes quando comparada à vida
anterior que estes possuíam em seu antigo ambiente. Essas mudanças são facilmente
perceptíveis em suas interpretações das Escrituras. Desenvolveram uma teologia
adaptada às situações enfrentadas pela comunidade, com uma halakah (i.e., o corpo de
leis religiosas judaicas) que passou a abranger ainda mais aspectos da vida individual e
coletiva dos adeptos. Apesar destas profundas modificações na vida comunal, regida por
um microcosmo com “desvios” de uma estrutura social maior e mais complexa que fora
abdicada, os alicerces sociais e o capital cultural individual e coletivo dos qumranitas
estavam calcados na tradição proveniente do ambiente outrora habitado.
Um destes alicerces à qual a comunidade do mar Morto estava subordinada
34
referia-se à música, salmos, orações e fórmulas de louvor como a doxologia. Em
Qumran, a descoberta de um rico material poético foi esclarecedora para se confirmar
tal afirmativa. Os MQ que abrangem conteúdo sapiencial em forma hinária eram
amplamente usados nos cerimoniais da comunidade.
As provas que possuímos disso provêm do próprio material hinário. Note quão
importante para se entender isso são os versículos descritos em 1QM 19:
23. Então cantarei com a harpa da salvação,
a cítara da alegria,
o pandeiro do gozo
33
Salvo se seguirmos as interpretações “religiosas” já citadas (p.28).
34 A palavra grega doxa, que significa glória, representa um tipo de exaltação a alguém ou geralmente a
Deus. A doxologia apresenta-se como uma forma litúrgica de louvor, geralmente ritmada. No AT, são
muitas as passagens que apresentam doxologias, sendo que um grande número destas foi utilizada pelo
cristianismo nascente. Um dos vários exemplos de doxologia nos escritos cristãos está em Ef 1:3, que diz:
“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo...”. A doxologia pode possuir várias temáticas, no
caso do cristianismo, encontramos temas como a cristologia e o trinitarismo (cf. Ef 1:3-14) inseridos em
alguns textos. No caso do AT, podemos citar algumas aparições semelhantes dos Salmos, como “Bendito
seja o Senhor, o Deus de Israel desde agora e para sempre! Amém! Amém!” (72:18; 89:53; 106:48).