Page 50 - Os Manuscritos do Mar Morto
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Estes são casos em que ainda consegue-se ver citações claras ao uso da música e
de hinos. Outras referências encontradas em algumas partes são mais sutis. Mesmo
assim, ajudam a reforçar a idéia de que a prática hinária era extensiva nas comunidades
cristãs, embora haja grande dificuldade de se reconstruir esse ambiente e estabelecer
parâmetros entre essas citações. Um caso em que esse tipo de caminho é trilhado é o
efetuado por Carlos Mesters. Fazendo um apanhado de indícios no livro de Atos –
importante por trazer descrições de algumas das primeiras comunidades cristãs – ele
ajuda-nos a visualizar que as referências à oração, música, hinódia; são ainda maiores
do que se pode pensar (2003:151-153, n. 45). Dessa maneira, ele chega à convincente
conclusão de que “os cristãos formavam comunidades orantes, dedicadas à Palavra e à
Oração” (2003:153, n. 45).
2.2 QUMRAN E A MÚSICA: HERANÇA E CRIAÇÃO
Foi com o capital simbólico do ambiente judaico, junto com toda sua
religiosidade, cultura, problemas internos e pressões externas que nasceu a comunidade
de Qumran. Com a ajuda das evidências arqueológicas e literárias, a maior parte dos
especialistas no assunto situa a origem da seita às margens do mar Morto entre meados
do século II a.C., e seu fim, muito provavelmente em 68 d.C. O contexto histórico
relacionado ao nascimento da comunidade remete ao período do sacerdócio exercido
por Jônatas Macabeu (152-142 a.C.), que era de família asmoneana, rompendo com a
tradição secular de direção zadoquita. Apesar da restauração da autonomia de Israel
frente ao governo dos selêucidas da Síria e os esforços macabeus em rechaçar a cultura
helenística, valores helenos foram adotados pela população judaica, sobretudo entre as
classes superiores (cf. MOMIGLIANO, 1991, passim).
Dentro desse contexto (o de uma população que não se dedica de forma plena à
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observância da Lei e com um sacerdócio exercido de forma “irregular”), um grupo de
judeus insatisfeitos com tal situação vê inviabilizada sua coabitação com o restante da
população judaica maculada. Por fim, a solução encontrada foi a de saírem desta terra e
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Evidentemente que não se deve analisar a sociedade judaica do período como inteiramente uniforme. O
problema envolvendo o Mestre da Justiça não foi oriundo da desviança da inteira sociedade israelita, mas
sim da querela ocorrida entre ele – que se considerava no direito legal do exercício sacerdócio – e o
ocupante (ou “ocupantes”, segundo o que acredita Martinez, graças à chamada “Hipótese de Groningen”,
que acomoda a cronologia junto das provas arqueológicas e textuais acerca de Qumran; cf. MARTÍNEZ,
1995:41) ilegítimo desse cargo.