Page 60 - Os Manuscritos do Mar Morto
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                                         – ele se refere a uma doutrina ou prática cristã que não aparece nas tradições
                                         sinóticas (1995:80 n. 22, grifo meu).


                         Estes são indícios bíblicos sutis que demonstram o quanto Paulo esteve engajado

                  com comunidades cristãs antes da redação das epístolas que chegaram até nós. Igrejas

                  pré-paulinas  existentes  em  locais  como  Damasco,  Síria,  Jerusalém  e  Ásia  Menor
                  estiveram por muito ou pouco tempo em contato com Paulo. O relato de sua conversão

                  foi redigido na época em que seu contato com estas comunidades já se tornava mais
                  acentuado.

                         Essas  comunidades  por  sua  vez,  se  enquadram  dentro  de  uma  problemática
                  bastante complicada com que temos de lidar ao menos brevemente aqui, se afinal elas

                  podem ser consideradas estritamente como sendo “cristãs”. Por este viés, o problema

                  perpassa  os  limites  da  consideração  do  cristianismo  como  seita.  Visa,  no  entanto,  ir
                  mais a fundo, elucidando a questão da natureza das comunidades ditas cristãs de forma

                  particularizada. Woodruff traz-nos uma consideração interessante sobre isso. Para ele,
                  se  se  levar  em  consideração  fatores  como:  “iniciação  de  adeptos  num  ritual;

                  assembléias ou reuniões regulares, (...) obrigações morais, que podiam ser exigentes ou

                  até  ascéticas;  obediência  obrigatória  ao  líder  e  tradições  e  disciplinas  arcanas”;
                  algumas das comunidades nascentes cristãs podem ser comparadas com as “religiões de

                  mistério”  (1995:79  n.  22).  Qumran  e  outras  comunidades  essênias  se  enquadrariam
                  nessa perspectiva. Woodruff, a partir destes dados, conclui que




                                         é  possível  (...)  que  uma  organização  social  semelhante  à  das  religiões  de
                                         mistério era possível (e conhecida!) dentro do judaísmo palestino. (...) Não
                                         podemos  ter  certeza  que  a  organização  do  tipo  “mistério”  se  originou  em
                                         Antioquia  (na  Síria,  onde  Paulo  teve  um  contato  mais  intenso  com  as
                                         igrejas);  os  primeiros  passos  podem  ter  sido  tomados  já  na  Palestina
                                         (1995:79 n. 22, grifo meu).


                         Levando,  portanto,  em  consideração  que  o  sectarismo  do  tipo  arcano  era
                  existente em comunidades fora e dentro da Palestina, pode-se concluir que algumas (ou

                  quase todas) comunidades com que Paulo se relacionava eram mais “sectárias” do que
                  se  pode  imaginar,  não  recebendo  este  título  apenas  por  sua  desvinculação  com  o

                  judaísmo.

                         Através  disso,  concluí-se  que  a  aproximação  de  Paulo  com  comunidades
                  sectárias era muito mais estreita do que se pode pensar, uma vez que estas nascentes

                  comunidades ainda não possuíam uma teologia cristã bem delineada. Eram na verdade
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