Page 78 - Os Manuscritos do Mar Morto
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mostra que, da mesma forma que o essenismo mesclava questões sociais e teológicas,
estratos do movimento cristão assim também faziam.
Os movimentos que possuíam matriz judaica tinham um diálogo maior entre si
quando comparado a outros que possuíam raízes estrangeiras. Isso ocorria pela repulsa
de grande parte da população a ideais de inspiração descaradamente externos que
viessem porventura a se mesclar com concepções judaicas e/ou judaico-cristãs. Essa é
uma das razões para crer-se que, mais do que possíveis, as trocas simbólicas foram
constantes entre o judaísmo jerosolimita (considerado “oficial”) e os sectários, para com
uma série de outras seitas que possuíam alguma coisa em comum. Foi nesse ambiente
que surgiram e se desenvolveram os “cristianismos”. Nas palavras do professor Néstor
Míguez,
Seria, porém, uma simplificação falar do cristianismo como tal; na realidade
surgem “os cristianismos”. (...) Durante o primeiro século temos de
considerar uma pluralidade de formas do cristianismo que, embora tenham
certo grau de identidade e reconhecimento mútuo, adquirem formas
institucionais distintas e vão fazendo suas próprias construções simbólicas a
partir de mundos vitais relativamente diferenciados (1995:32, n. 22).
Estas formas de cristianismo variadas não rompem radicalmente com o
judaísmo, como Míguez salientou acima. “Os primeiros cristãos eram judeus de
origem, falavam hebraico ou aramaico e continuavam a freqüentar os dois locais
antigos de culto (o Templo e a sinagoga), cada qual com sua adoração peculiar”
(FREDERICO, 2001:83, grifo meu). Registros encontrados no NT sobre cristãos
participando nas festividades judaicas provam que, até pouco tempo antes do período
conturbado que culminou na destruição de Jerusalém, eles participavam normalmente
das celebrações judaicas. Essa mistura imprecisa de crenças durante esse período foi o
que fez com que muito do que se sabe sobre as colaborações do judaísmo para com o
cristianismo no que tange à literatura poética chegasse a nós.
Alguns livros do NT nos dão um retrato apropriado sobre o ambiente litúrgico
vivido por Jesus, seus seguidores e os judeus do século I. Desde o exílio babilônico e
principalmente depois, com as sinagogas, consolidaram-se três formas de reunião: a
familiar, que realizava-se em casa; a comunitária, semanal, feita na sinagoga; e a
nacional, que englobava as festividades do Ano Litúrgico, realizadas no Templo.
“Criava-se assim, um ambiente familiar e comunitário impregnado pela leitura orante