Page 55 - Auario da Justiça Brasil_2021
P. 55

responsável até mesmo por uma   ENTENDIMENTO JURÍDICO
                interação maior entre os mem-  O Fisco pode decretar a indisponibilidade de bens e renda do contribuinte mediante simples
                bros  do tribunal, devendo ser,   averbação de certidão de dívida ativa? Com a edição da norma impugnada, a instituir a denominada
                por isso mesmo, algodão entre   “averbação pré-executória”, o legislador ordinário promoveu verdadeiro desvirtuamento do sistema de
                cristais. Não pode atuar de for-  cobrança da dívida ativa da União, ante a previsão de espécie de execução administrativa dos débitos,
                ma trepidante, não pode ser, em   em desarmonia com as balizas constitucionais no sentido de obstar ao máximo o exercício da autotu-
                relação a seus iguais, um censor,   tela pelo Estado. (...) Constitui passo demasiadamente largo, incompatível com os princípios constitu-
                                               cionais do contraditório e da ampla defesa – artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal –, franquear-se
                levando ao descrédito o próprio   à Administração, na busca da satisfação de interesse público secundário – o qual, na realidade, sequer
                Judiciário.”                   merece o epíteto de público –, o poder de bloquear unilateralmente os bens de contribuintes inscritos
                  Por ironia do destino, no mês   em dívida ativa, ausente intervenção do Estado-Juiz, levando-se em conta a necessidade de a Fazenda
                seguinte, viu uma decisão sua   Pública buscar o Judiciário visando à cobrança, mediante o adequado processo executivo fiscal, do que
                em  Habeas  Corpus  ser  cassada   devido. Surge inviável, sob qualquer ângulo de análise, compatibilizar o previsto na norma questiona-
                                               da com o disposto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será priva-
                por determinação do presidente   do da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, diretriz ínsita ao regular funcionamento
                Fux. Por trás estava a interpreta-  do Estado Democrático de Direito. (ADI 5.886/DF)
                ção a ser dada ao artigo 316 do   Maus antecedentes persistem na imagem do réu mesmo depois de passados cincos anos do
                Código de Processo Penal e, de   cumprimento ou extinção da pena? De um lado, há quem sustente tese segundo a qual, “na hipóte-
                início, a possibilidade de o presi-  se de prescrição da reincidência, a condenação que caducou para esse fim continua válida para gerar
                dente da corte suspender decisão   maus antecedentes”; de outro, balizada doutrina revela ser “indispensável que se respeite a limitação
                                               temporal dos efeitos dos ‘maus antecedentes’, adotando-se o parâmetro previsto para os ‘efeitos da
                de um de seus pares. Marco Au-  reincidência’, fixado no artigo 64 do Código Penal em cinco anos, por autorizada analogia”. (...) Venho
                rélio concedeu HC a um grande   repetindo ao longo de mais de 40 anos de judicatura: devemos evoluir tão logo convencidos de assistir
                traficante preso preventivamente   maior razão à tese inicialmente repudiada, mesmo porque, lembrando Nietzsche, apenas os mortos
                havia mais de 90 dias sem que o   não evoluem. (...) A esse respeito, precisa é a observação de Paulo Queiroz, a professar que, cessada a
                juiz responsável pelo caso justi-  reincidência em virtude do decurso do prazo assinado no referido dispositivo do Código Penal, mostra-
                                               -se inadequado aproveitá-la como a revelar maus antecedentes (...) Do contrário, ter-se-iam subvertidos
                ficasse a sua manutenção, como   os limites semânticos próprios ao conceito de primariedade, no que guarda relação de antonímia com
                exige o artigo 316 do CPP. No   o de reincidência, por sua vez afastada, ante expressa determinação legal, passados cinco anos do
                Plenário prevaleceu a decisão de   cumprimento ou da extinção da pena. Daí por que, desde o exame, já na 1ª Turma, do Habeas Corpus
                Fux e Marco Aurélio, acompa-   115.304, 26 de abril de 2016, evoluí para, sob enfoque diverso do por mim adotado desde os idos da
                nhado pelos ministros Gilmar   década de 1990, concluir pelo não reconhecimento de maus antecedentes quando insubsistente a
                                               reincidência (...). A não se concluir assim, proclamar-se-á que o cidadão permanecerá indefinidamente
                Mendes e Ricardo Lewandowski,   com a “espada de Dâmocles sobre a cabeça”, afastando-se, em última análise, a esperança, elemento
                acabou vencido na discussão.   indispensável à evolução, à ressocialização do homem. (RE 593.818)
                  “A  garantia  em análise é  li-
                near e alcança todo e qualquer
                custodiado, pouco  importando   Em decisão surpreendente para seu perfil, o decano do STF vo-
                a  imputação  a  lhe  recair  sobre  tou por manter a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba e as
                os ombros. Nunca é demasiado  condenações do ex-presidente Lula nas ações julgadas pelo ex-juiz
                reconhecer que a atuação do Ju- federal Sergio Moro. “Peço vênia para não decepcionar a socieda-
                diciário é vinculada ao Direito  de”, disse o ministro, que integrou a corrente vencida. Para ele, não
                aprovado pelo legislador, pelo  há mais como, a esta altura, “voltar à estaca zero”. Referia-se ao
                Congresso. Nessa premissa está  fato de as decisões terem percorrido todas as instâncias do Poder
                a segurança jurídica, a revelação  Judiciário e terem sido confirmadas para só então haver o reconhe-
                de se viver não em um regime  cimento da incompetência do juiz.
                de exceção, mas num Estado de-  Fato é que sua aposentadoria significa o fim definitivo de um per-
                mocrático de Direito”, afirmou  fil de ministro do STF, desses que fazem questão de decisões cole-
                em artigo publicado na ConJur  giadas, que mantêm certa distância do espaço político, que pelejam
                a respeito de sua decisão, que  por ser os verdadeiros julgadores – ao invés de delegar essa função
                teve repercussão nacional. O réu  aos assessores –, que não estão tão preocupados em vender livros
                fugiu no período entre a decisão  ou ficar bem junto à opinião pública. De saída, lamenta o critério
                de Marco Aurélio e a sua revo- para a indicação do sucessor de sua cadeira: “Se for pelo critério da
                gação pelo Plenário da corte.  religião, pobre Supremo em termos de composição.”



                                                                                           ANUÁRIO DA JUSTIÇA BRASIL 2021  53


                                                                                                                01/06/21   15:02
        STF 1aTurma ultima ok_TR.indd   53
        STF 1aTurma ultima ok_TR.indd   53                                                                      01/06/21   15:02
   50   51   52   53   54   55   56   57   58   59   60