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responsável até mesmo por uma ENTENDIMENTO JURÍDICO
interação maior entre os mem- O Fisco pode decretar a indisponibilidade de bens e renda do contribuinte mediante simples
bros do tribunal, devendo ser, averbação de certidão de dívida ativa? Com a edição da norma impugnada, a instituir a denominada
por isso mesmo, algodão entre “averbação pré-executória”, o legislador ordinário promoveu verdadeiro desvirtuamento do sistema de
cristais. Não pode atuar de for- cobrança da dívida ativa da União, ante a previsão de espécie de execução administrativa dos débitos,
ma trepidante, não pode ser, em em desarmonia com as balizas constitucionais no sentido de obstar ao máximo o exercício da autotu-
relação a seus iguais, um censor, tela pelo Estado. (...) Constitui passo demasiadamente largo, incompatível com os princípios constitu-
cionais do contraditório e da ampla defesa – artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal –, franquear-se
levando ao descrédito o próprio à Administração, na busca da satisfação de interesse público secundário – o qual, na realidade, sequer
Judiciário.” merece o epíteto de público –, o poder de bloquear unilateralmente os bens de contribuintes inscritos
Por ironia do destino, no mês em dívida ativa, ausente intervenção do Estado-Juiz, levando-se em conta a necessidade de a Fazenda
seguinte, viu uma decisão sua Pública buscar o Judiciário visando à cobrança, mediante o adequado processo executivo fiscal, do que
em Habeas Corpus ser cassada devido. Surge inviável, sob qualquer ângulo de análise, compatibilizar o previsto na norma questiona-
da com o disposto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será priva-
por determinação do presidente do da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, diretriz ínsita ao regular funcionamento
Fux. Por trás estava a interpreta- do Estado Democrático de Direito. (ADI 5.886/DF)
ção a ser dada ao artigo 316 do Maus antecedentes persistem na imagem do réu mesmo depois de passados cincos anos do
Código de Processo Penal e, de cumprimento ou extinção da pena? De um lado, há quem sustente tese segundo a qual, “na hipóte-
início, a possibilidade de o presi- se de prescrição da reincidência, a condenação que caducou para esse fim continua válida para gerar
dente da corte suspender decisão maus antecedentes”; de outro, balizada doutrina revela ser “indispensável que se respeite a limitação
temporal dos efeitos dos ‘maus antecedentes’, adotando-se o parâmetro previsto para os ‘efeitos da
de um de seus pares. Marco Au- reincidência’, fixado no artigo 64 do Código Penal em cinco anos, por autorizada analogia”. (...) Venho
rélio concedeu HC a um grande repetindo ao longo de mais de 40 anos de judicatura: devemos evoluir tão logo convencidos de assistir
traficante preso preventivamente maior razão à tese inicialmente repudiada, mesmo porque, lembrando Nietzsche, apenas os mortos
havia mais de 90 dias sem que o não evoluem. (...) A esse respeito, precisa é a observação de Paulo Queiroz, a professar que, cessada a
juiz responsável pelo caso justi- reincidência em virtude do decurso do prazo assinado no referido dispositivo do Código Penal, mostra-
-se inadequado aproveitá-la como a revelar maus antecedentes (...) Do contrário, ter-se-iam subvertidos
ficasse a sua manutenção, como os limites semânticos próprios ao conceito de primariedade, no que guarda relação de antonímia com
exige o artigo 316 do CPP. No o de reincidência, por sua vez afastada, ante expressa determinação legal, passados cinco anos do
Plenário prevaleceu a decisão de cumprimento ou da extinção da pena. Daí por que, desde o exame, já na 1ª Turma, do Habeas Corpus
Fux e Marco Aurélio, acompa- 115.304, 26 de abril de 2016, evoluí para, sob enfoque diverso do por mim adotado desde os idos da
nhado pelos ministros Gilmar década de 1990, concluir pelo não reconhecimento de maus antecedentes quando insubsistente a
reincidência (...). A não se concluir assim, proclamar-se-á que o cidadão permanecerá indefinidamente
Mendes e Ricardo Lewandowski, com a “espada de Dâmocles sobre a cabeça”, afastando-se, em última análise, a esperança, elemento
acabou vencido na discussão. indispensável à evolução, à ressocialização do homem. (RE 593.818)
“A garantia em análise é li-
near e alcança todo e qualquer
custodiado, pouco importando Em decisão surpreendente para seu perfil, o decano do STF vo-
a imputação a lhe recair sobre tou por manter a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba e as
os ombros. Nunca é demasiado condenações do ex-presidente Lula nas ações julgadas pelo ex-juiz
reconhecer que a atuação do Ju- federal Sergio Moro. “Peço vênia para não decepcionar a socieda-
diciário é vinculada ao Direito de”, disse o ministro, que integrou a corrente vencida. Para ele, não
aprovado pelo legislador, pelo há mais como, a esta altura, “voltar à estaca zero”. Referia-se ao
Congresso. Nessa premissa está fato de as decisões terem percorrido todas as instâncias do Poder
a segurança jurídica, a revelação Judiciário e terem sido confirmadas para só então haver o reconhe-
de se viver não em um regime cimento da incompetência do juiz.
de exceção, mas num Estado de- Fato é que sua aposentadoria significa o fim definitivo de um per-
mocrático de Direito”, afirmou fil de ministro do STF, desses que fazem questão de decisões cole-
em artigo publicado na ConJur giadas, que mantêm certa distância do espaço político, que pelejam
a respeito de sua decisão, que por ser os verdadeiros julgadores – ao invés de delegar essa função
teve repercussão nacional. O réu aos assessores –, que não estão tão preocupados em vender livros
fugiu no período entre a decisão ou ficar bem junto à opinião pública. De saída, lamenta o critério
de Marco Aurélio e a sua revo- para a indicação do sucessor de sua cadeira: “Se for pelo critério da
gação pelo Plenário da corte. religião, pobre Supremo em termos de composição.”
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