Page 47 - Os Lusiadas Contados as criancas e lembrado ao povo
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Reúne-se o conselho, com efeito. E Baco principia logo a dizer mal dos
Portugueses.
Chama-lhes soberbos e insolentes, acusa-os de quererem devassar o
Oceano só para desrespeitar e humilhar os seus guardas naturais, os seus
verdadeiros e velhos donos, que há tantos anos nele viviam descuidados e
felizes, sem que ninguém os fosse inquietar.
Tanto falou, gritou e gesticulou, que Neptuno e os outros se convenceram
ou fingiram convencer-se. E para evitar a continuação da viagem de Vasco
da Gama, chamaram imediatamente Éolo, o Deus dos Ventos, Éolo, que
tinha o poder de desencadear de uma só vez — soltando-os de um odre em
que os trazia presos — o vento norte, o vento sul, o vento leste e o vento
oeste.
Logo Éolo foi mandado soltar os quatro irmãos irrequietos, provocando
dessa maneira um temporal furioso, em que as pequenas e frágeis naus dos
Lusitanos naufragariam por certo.
Iam os nossos Portugueses, nesse momento, descansados e bem-dispostos.
E tão descansados, tão descuidados dos possíveis perigos, que o nosso
conhecido Veloso, soldado engraçado e esperto, a pedido dos seus
companheiros começou uma noite a contar, para os distrair, a famosa
história de Magriço ou dos «Doze de Inglaterra». Encostado à amurada do
navio falava, alegremente. E dizia:
— «No tempo de D. João I, quando o Reino de Portugal já estava sossegado
e liberto dos Castelhanos, deu-se na Inglaterra uma grande questão entre
doze damas e doze cavaleiros.
«Tanto se envenenou essa questão, que por fim os cavaleiros declararam
que as damas nem o nome de damas mereciam.