Page 261 - As Viagens de Gulliver
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Em sete de Maio de 1709 despedi-me, com todas as cerimônias, de Sua
      Majestade, e disse adeus a todos os amigos que deixava na corte. Este príncipe
      fez-me  conduzir  por  um  destacamento  dos  seus  guardas  até  ao  porto  de
      Glanguenstald,  situado  a  sudoeste  da  ilha.  Ao  cabo  de  seis  dias  encontrei  um
      navio pronto a transportar-me ao Japão; embarquei e, após a nossa viagem, que
      durou cinqüenta dias, desembarcámos num pequeno porto chamado Xamoschi,
      ao sudoeste do Japão.
          Mostrei  primeiramente  aos  comissários  da  Alfândega  a  carta  com  que
      tinha a honra de ser apresentado pelo rei de Luggnagg a Sua Majestade nipônica;
      conheceram  logo  o  selo  de  Sua  Majestade  luggnaggiana,  cujo  sinete
      representava um rei amparando um pobre aleijado e ajudando-o a andar.
          Os  magistrados  da  cidade,  sabedores  de  que  eu  era  portador  daquela
      augusta  carta,  trataram-me  como  ministro  e  forneceram-me  uma  carruagem
      para  me  transportar  a  Yedo,  que  é  a  capital  do  Império.  Aí,  fui  recebido  em
      audiência por Sua Majestade imperial e tive a honra de lhe apresentar a minha
      carta,  que  abriu  na  presença  de  todos  com  grande  cerimonial,  e  que  Sua
      Majestade fez logo explicar pelo seu intérprete que lhe pedisse qualquer graça
      que, em consideração para com o seu muito querido irmão, o rei de Luggnagg,
      ma concederia imediatamente.
          Este  intérprete,  que  era  ordinariamente  empregado  nos  negócios  do
      comércio com os holandeses, conheceu facilmente pelo meu aspecto que eu era
      europeu e, por esse motivo, traduziu-me em língua holandesa as palavras de Sua
      Majestade. Respondi que era negociante da Holanda; que naufragara num mar
      afastado; que desde então caminhara muito por terra e por mar para chegar a
      Luggnagg e daí ao império do Japão, onde sabia encontrar os holandeses meus
      compatriotas que comerciavam, o que me podia proporcionar ocasião de voltar
      para  a  Europa;  suplicava,  pois,  a  Sua  Majestade  que  me  transferisse  com
      segurança  para  Nangasac.  Tomei,  ao  mesmo  tempo,  a  liberdade  de  pedir-lhe
      uma outra mercê; foi que, por consideração para com o rei de Luggnagg, que
      me  dava  a  honra  de  proteger-me,  de  muito  boa  vontade  me  dispensasse  da
      cerimônia que se fazia praticar aos do meu país e não me obrigasse a calcar aos
      pés o crucifixo, pois viera ao Japão para passar à Europa e não para traficar.
          Quando  o  intérprete  expôs  a  Sua  Majestade  nipônica  esta  derradeira
      mercê que pedia, pareceu surpreendido e respondeu que era o primeiro homem
      da minha terra a quem semelhante escrúpulo acudia ao espírito, o que o fazia
      desconfiar de que eu não fosse realmente holandês, como eu garantira, e fazia
      antes  supor-me  cristão.  No  entanto,  o  imperador,  gostando  da  razão  que  eu
      alegara e olhando principalmente a recomendação do rei de Luggnagg, houve
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