Page 259 - As Viagens de Gulliver
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tudo e reduzidos a uma simples pensão alimentícia (lei muito justa em virtude da
      sórdida avareza comum aos velhos). Os velhos são mantidos por custeio público
      numa casa chamada: hospital dos imortais pobres. Um imortal de oitenta anos já
      não pode exercer um emprego ou função alguma; não pode negociar, não pode
      contratar,  não  pode  comprar  nem  vender  e  o  seu  próprio  testemunho  não  é
      reconhecido  em  justiça.  Quando,  porém,  atingem  noventa  anos,  ainda  é  pior:
      todos os dentes e cabelos caem; perdem o paladar e bebem e comem sem prazer
      algum; perdem a noção das coisas mais fáceis de reter, e esquecem o nome dos
      amigos e às vezes o próprio. Torna-se-lhes por este motivo inútil entreterem-se
      com  a  leitura,  pois  que,  quando  querem  ler  uma  frase  de  quatro  palavras,
      esquecem as duas primeiras, enquanto lêem as duas últimas. Pelo mesmo motivo
      lhes é impossível conversar com alguém. Além disto, como a língua deste país
      está  sujeita  a  freqüentes  mudanças,  os  struldbruggs  nascidos  num  século  têm
      muito trabalho em compreender a linguagem dos homens nascidos noutro século,
      e são sempre estrangeiros na sua pátria.
          Tais foram os pormenores que me forneceu a respeito dos imortais desse
      país, pormenores que me surpreenderam em extremo. Em seguida, mostrou-me
      uns  seis,  e  confesso  que  nunca  vi  nada  mais  feio  e  mais  desagradável;  as
      mulheres, sobretudo, eram horrorosas; imaginei ver espectros.
          O leitor decerto compreenderá que perdi, então, toda a vontade de tornar-
      me  imortal  por  semelhante  preço.  Fiquei  vexadíssimo  com  as  loucas
      imaginações a que me entregara sobre o sistema de uma vida eterna neste baixo
      mundo.
          O rei, sabendo da conversa que eu mantivera com aqueles de quem falei,
      riu muito das minhas idéias sobre a imortalidade e a inveja que eu sentira pelos
      struldbruggs. Em seguida, perguntou-me muito a sério se eu queria levar comigo
      dois ou três exemplares deles para o meu país, para curar os meus compatriotas
      do desejo de viver e do medo de morrer. No íntimo, sentiria muito prazer em que
      me tivesse feito esse presente; mas por uma lei fundamental do reino é proibido
      aos imortais sair dele.
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