Page 255 - As Viagens de Gulliver
P. 255
de um imortal não era concedido a uma determinada família; que era um
presente da natureza ou do acaso, e que os próprios filhos dos struldbruggs
nasciam mortais como os filhos dos outros homens, sem ter privilégio algum.
Esta narrativa agradou-me extremamente, e à pessoa que ma contava,
entendendo a língua dos Balnibarbos, que falava à vontade, testemunhei a minha
admiração e a minha alegria com as palavras mais expressivas e mais
desusadas. Exclamei, com uma espécie de entusiasmo:
— Feliz nação, cujos filhos ao nascer podem alcançar a imortalidade!
Feliz região, em que os exemplos dos tempos passados se mantém sempre, em
que a virtude dos primeiros séculos subsiste ainda, e em que os primeiros homens
vivem ainda e viverão eternamente, para dar lições de prudência a todos os seus
descendentes! Felizes os sublimes struldbruggs, que têm o privilégio de não
morrer e a quem, por conseguinte, a idéia da morte não intimida, não
enfraquece, não quebra.
Demonstrei, em seguida, que ficara surpreendido por não ter ainda visto
nenhum desses imortais na corte; que, se alguns havia, a gloriosa mancha
estampada na testa saltaria logo à vista.
— Por que o rei — acrescentei — que é um príncipe tão judicioso, não os
emprega no ministério e não lhes confere a sua confiança?
Mas talvez a rígida virtude desses velhos importunasse e ferisse os olhos
da sua corte. Ainda que assim fosse, estava resolvido a falar no assunto a Sua
Majestade na primeira ocasião que se me deparasse, e quer ele tivesse como boa
a minha opinião, quer não, aceitaria em todo o caso o alojamento que teve a
bondade de oferecer-me nos seus Estados, a fim de poder passar o resto dos
meus dias na ilustre companhia desses homens imortais, contanto que se
dignassem aturar-me.
Aquele a quem dirigi a palavra, olhando-me então com um sorriso que
denotava a minha ignorância, que lhe causava dó, respondeu-me que estava
encantado por eu desejar ficar no país, e pediu licença para explicar aos outros o
que eu acabava de dizer; fê-lo e, durante algum tempo, conversaram entre si na
sua linguagem que eu não compreendia; não pude sequer ler-lhes, nos gestos ou
nos olhos, a impressão que o meu discurso causara nos seus espíritos. Por fim, a
mesma pessoa que me falara até então, disse-me delicadamente que os seus
amigos estavam cativados com as minhas reflexões judiciosas sobre a felicidade
e as vantagens da imortalidade, mas desejavam saber que sistema de vida
seguiria e quais seriam as minhas ocupações e as minhas vistas, se a natureza me