Page 256 - As Viagens de Gulliver
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tivesse feito nascer struldbrugg.
A essa interessante pergunta retorqui que ia satisfazê-los imediatamente
com prazer, que as suposições e as idéias me custavam pouco e que estava
habituado a imaginar o que teria feito, se tivesse sido rei, general do exército ou
ministro de Estado; que, com relação à imortalidade, meditara algumas vezes
sobre o modo de proceder de que usaria se tivesse de viver eternamente e que,
em vista do que me dizia, ia dar largas à minha imaginação.
Disse, pois, que, se tivesse tido a vantagem de nascer struldbrugg, logo que
pudesse conhecer a minha felicidade e perceber a diferença que existia entre a
vida e a morte, teria, primeiramente, metido mãos à obra, para me tornar rico, e
que à força de ser intrigante, subtil e rasteiro, poderia esperar ver-me um pouco
à vontade ao cabo de duzentos anos; que, em segundo lugar, me aplicaria muito
seriamente ao estudo dos meus primeiros anos, que poderia orgulhar-me de me
tornar, um dia, o homem mais sábio do universo; que observaria com cuidado
todos os grandes acontecimentos; que examinaria com atenção todos os príncipes
e todos os ministros de Estado que se sucedessem uns aos outros; teria tido o
prazer de comparar todos os seus caracteres e de fazer sobre esse assunto as
mais belas reflexões do mundo; que teria traçado uma memória fiel e exata de
todas as revoluções da moda e da linguagem, e das mudanças havidas nos
costumes, leis, usos e até nos prazeres; que, por esse estudo e por essas
observações, me tornaria, por fim, um museu de antigüidades, um registro vivo,
um tesouro de conhecimentos, um dicionário falante, o orador perpétuo dos meus
compatriotas e de todos os meus contemporâneos.
— Nestas circunstâncias, nunca me casaria, — acrescentei — e levaria
uma vida de rapaz alegre, livremente, economicamente a fim de que, vivendo
sempre, tivesse sempre de que viver. Ocupar-me-ia em formar o espírito de
alguns rapazes, dando-lhes parte das minhas luzes e da minha longa experiência.
Os meus verdadeiros amigos, os confidentes, os meus companheiros seriam os
meus ilustres confrades struldbruggs, de que escolheria uma dúzia de entre os
mais velhos, para com eles me ligar mais estreitamente. Não deixaria de
freqüentar também alguns mortais de merecimento, que me habituaria a ver
morrer sem desgosto e sem pesar, pois a posteridade me consolaria da sua
morte; poderia até ser para mim um espetáculo bastante agradável, do mesmo
modo que um jardineiro sente prazer em ver as tulipas e os cravos do seu jardim
nascerem, morrerem e tornarem a nascer. Comunicaríamos mutuamente, entre
nós struldbruggs, todas as notas e observações que fizéssemos sobre a causa e o
progresso da corrupção do gênero humano. Comporíamos a esse respeito um
excelente tratado de moral, cheio de lições úteis e capazes de impedir a natureza
humana de degenerar, como o fizera dia a dia, e pelo que é censurada há dois