Page 267 - As Viagens de Gulliver
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bodes, mas o resto do corpo era pelado e deixava ver uma pele muito cinzenta.
      Não tinham cauda; estavam ora sentados na relva, ora deitados, ora de pé nas
      patas traseiras; saltavam, pulavam e trepavam nas árvores com a agilidade dos
      esquilos, tendo garras nas quatro patas. As fêmeas eram um pouco menores do
      que os machos; tinham longos cabelos e apenas uma ligeira penugem em muitos
      sítios do corpo. Os seios pendiam entre as duas patas dianteiras e algumas vezes
      rojavam-se pelo chão, quando caminhavam. O pêlo de uns e de outros era de
      diversas tonalidades: cinzento, vermelho, preto e louro. Finalmente, em nenhuma
      das minhas viagens vira animal tão disforme e tão desagradável.
          Depois  de  os  haver  examinado  suficientemente,  segui  pela  estrada,  na
      esperança de que me conduziria a alguma choupana de índios. Tendo caminhado
      um  pedaço,  encontrei,  a  meio  da  estrada,  um  desses  animais  que  se
      encaminhava diretamente para mim. Ao ver-me, estacou, fez uma infinidade de
      caretas e pareceu olhar-me como um animal cuja espécie lhe era desconhecida;
      depois,  aproximou-se  e  levantou  para  mim  a  pata  dianteira.  Desembainhei  o
      sabre e bati-lhe de leve, não querendo feri-lo, com receio de ofender aqueles a
      quem estes animais poderiam pertencer. O animal, sentindo-se magoado, desatou
      a fugir e a gritar de tal maneira que atraiu a atenção de uns quarenta animais da
      sua espécie, que correram para mim fazendo horríveis caretas. Corri para uma
      árvore, onde me encostei, mantendo-me em guarda com o sabre; logo saltaram
      aos  ramos  das  árvores  e  começaram  a  estercar  em  cima  de  mim.
      Repentinamente puseram-se todos em fuga.
          Então,  deixei  a  árvore  e  continuei  o  meu  caminho,  ficando  muito
      surpreendido de que um súbito terror lhes tivesse feito fugir; mas, olhando para a
      esquerda,  vi  um  cavalo  trotando  gravemente  no  meio  de  um  campo;  fora  a
      presença  deste  cavalo  que  fizera  dispersar  tão  depressa  o  bando  que  me
      assaltara.  Aproximando-se  de  mim,  o  cavalo  estacou,  recuou  e,  em  seguida,
      olhou-me fixamente, parecendo um pouco espantado; examinou-me por todos os
      lados, andando por várias vezes em volta de mim.
          Quis  andar  para  a  frente,  mas  colocou-se  diante  de  mim  na  estrada,
      olhando-me  meigamente  e  sem  praticar  violência  alguma.  Examinámo-nos
      mutuamente durante certo tempo; por fim, atrevi-me a colocar-lhe a mão sobre
      o  pescoço,  acariciando-o,  assobiando  e  falando  à  maneira  dos  palafreneiros,
      quando querem acariciar um cavalo; mas o animal, soberbo, fazendo pouco da
      minha  delicadeza  e  da  minha  bondade,  carregou  a  vista  e  levantou
      orgulhosamente uma das suas patas dianteiras para me obrigar a retirar a minha
      mão familiar demais. Ao mesmo tempo, desatou a relinchar três vezes, mas com
      uns sons tão variados, que comecei a crer que falava uma linguagem que lhe era
      própria e que tinha uma espécie de sentido ligado aos seus relinchos.
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