Page 269 - As Viagens de Gulliver
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peço ou a um ou a outro que, se são realmente cavalos, me deixem subir para a
garupa, a fim de descortinar alguma aldeia ou casa onde possa recolher-me.
Como reconhecimento, ofereço-lhes este punhal e este bracelete.
Os dois animais pareceram ouvir o meu discurso com atenção e, quando
acabei, puseram-se a relinchar cada um por sua vez, voltados um para o outro.
Compreendi então, claramente, que aqueles relinchos eram significativos e
encerravam palavras com que, talvez, se pudesse fazer um alfabeto tão claro
como o dos chineses.
Ouvi-os repetir várias vezes a palavra Yahu, de que distinguia o som sem
lhe perceber o sentido, ainda que, enquanto os dois cavalos conversavam,
tentasse compreender-lhe o significado. Quando acabaram de falar, desatei a
gritar com toda a força: Yahu! Yahu! tentando imitá-los. Isto pareceu surpreendê-
los em extremo, e então o ruço-malhado, repetindo duas vezes a mesma palavra,
pareceu querer ensinar-me o modo de pronunciá-la. Repeti-a após ele o melhor
que me foi possível e quis me parecer que, embora estivesse muito longe da
perfeição, da acentuação e da pronúncia, tinha, no entanto, feito algum
progresso. O outro cavalo, que era baio, ao que me pareceu, quis também
ensinar-me uma outra palavra muito mais difícil de pronunciar e que, sendo
reduzida à ortografia inglesa, pode ser escrita assim: huyhnhnm. Não me saí tão
bem da pronúncia desta como da primeira, mas depois de alguns ensaios já ia
melhor, e os dois cavalos notaram que eu era inteligente.
Após alguns momentos de conversa (decerto a meu respeito)
despediram-se com o mesmo cerimonial com que se tinham acercado de mim.
O baio fez-me sinal para caminhar adiante dele, o que julguei a propósito fazer
enquanto não encontrasse outro guia. Como caminhasse muito vagarosamente,
pôs-se a relinchar, hhuum, hhuum. Compreendi o seu pensamento e dei-lhe a
entender, conforme pude, que estava muito cansado e me custava muito a andar.
Percebendo-o, deteve-se caridosamente para me deixar descansar.