Page 268 - As Viagens de Gulliver
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Imediatamente apareceu um outro cavalo, que cumprimentou o primeiro
muito delicadamente; ambos se trataram muito bem e começaram a relinchar
de cem diferentes modos, que pareciam formar sons articulados; em seguida,
deram alguns passos juntos, como se quisessem conferenciar sobre qualquer
assunto; iam e vinham, marchando gravemente a par, semelhantes a pessoas que
deliberam sobre coisas importantes; no entanto, não tiravam os olhos de cima de
mim, como se temessem que eu tentasse a fuga.
Surpreendido por ver animais portarem-se assim, pensei de mim para
comigo:
— Visto que neste país os animais raciocinam assim, é porque os homens
são de uma suprema inteligência.
Esta reflexão incutiu-me tanta coragem que resolvi avançar por essa
região até que descobrisse qualquer casa e encontrasse algum habitante, o que
deixara ali os dois cavalos soltos; um deles, porém, que era ruço-malhado, vendo
que me ia embora, começou a relinchar junto de mim de maneira tão expressiva
que julguei perceber o que ele queria; voltei-me e acerquei-me dele,
dissimulando o meu embaraço e a minha perturbação tanto quanto me era
possível, porque, no fundo, não sabia em que daria tudo isso.
Os dois cavalos chegaram-se mais perto e puseram-se como que a
examinar-me o rosto e as mãos. O meu chapéu parecia surpreendê-los, assim
como a fazenda da minha roupa. O ruço-malhado pôs-se a gabar a minha mão
direita, parecendo encantado, e a macieza e a cor da minha pele; mas apertou-
ma tanto entre o casco e a ranilha que não pude deixar de gritar com toda a força
dos meus pulmões, o que me atraiu mil outras carícias, cheias de amizade. Os
meus sapatos e as minhas meias inquietaram-nos, farejaram-nos e apalparam-
nos por diversas vezes e fizeram sobre este assunto muitos gestos parecidos com
os de um filósofo que tenta explicar um fenômeno.
Enfim, a atitude e as maneiras desses dois animais pareceram-me tão
racionais, tão prudentes, tão judiciosas, que concluí de mim para mim que talvez
fossem encantadores que se haviam transformado em cavalos com qualquer
desígnio e que, encontrando um estranho no seu caminho, tinham querido
divertir-se um pouco à sua custa, ou tinham ficado atônitos com as suas feições,
roupas e maneiras. Foi por isso que tomei a liberdade de falar-lhes nestes termos:
— Senhores cavalos, se são feiticeiros, como tenho motivos para crer,
decerto compreendem todas as línguas; assim, tenho a honra de lhes dizer, na
minha, que sou um pobre inglês que, por fatalidade, naufraguei nestas costas e