Page 300 - As Viagens de Gulliver
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eu próprio experimentei e aconselho ao leitor amigo para prevenir o mal, incito-o
      a nunca ser ocioso; e, posto que não tenha situação alguma definida, peço-lhe que
      observe que há diferença entre nada fazer e nada ter que fazer.
          — Os nossos Yahus — prosseguiu meu amo — têm uma violenta paixão
      por certa raiz que dá muito sumo. Buscam-na com entusiasmo e sugam-na com
      extremo  prazer  e  sem  se  cansar.  Então  se  os  vê  ora  a  acariciar-se,  ora  a
      esgatanhar-se,  ora  a  gritar  e  fazer  caretas,  ora  a  pairar,  dançar,  deitar-se  no
      chão, rolar e adormecer na lama. As fêmeas dos Yahus parecem recear e fogem
      à  aproximação  dos  machos;  não  consentem  que  as  acariciem  abertamente  à
      vista de outrem; a menor liberdade em público fere-as, revolta-as e põem-nas
      zangadas;  quando,  porém,  uma  dessas  castas  fêmeas  vê  passar  num  ponto
      desviado algum Yahu novo e perfeito, oculta-se por detrás de uma árvore ou num
      silvado, mas de maneira que o Yahu possa vê-la ao passar e abordá-la. Logo ela
      foge, mas olhando muitas vezes para trás, e conduz tão bem o seu manejo que o
      apaixonado  Yahu,  que  a  persegue,  atinge-a  por  fim  num  local  favorável  ao
      mistério e aos seus desejos. Aí, doravante ela aguardará o seu novo amante, que
      não deixará de comparecer à entrevista, salvo se alguma aventura idêntica se
      apresenta  no  seu  caminho  e  lhe  faz  esquecer  a  primeira.  Mas  a  fêmea  é  a
      própria  que  falha  algumas  vezes;  a  mudança  agrada  aos  dois  sexos  e  a
      diversidade  é  tanto  do  gosto  de  um  como  do  outro.  O  prazer  de  uma  fêmea
      consiste  em  ver  os  machos  cair,  morder-se,  arranhar-se,  dilacerar-se  por  sua
      causa; excita-os ao combate e torna-se o prêmio do vencedor, ao qual se entrega
      para o agatanhar em seguida ou para se deixar agatanhar por ele próprio, e é
      assim que findam todos os amores. Amam loucamente os filhos; os machos, que
      se julgam os pais, querem-nos, ainda que lhes seja impossível assegurar-se de
      que tenham concorrido em parte para o seu nascimento.
          Esperava que sua honra me fosse dizer mais alguma coisa com respeito
      aos  costumes  dos  Yahus  e  que  nada  lhe  escaparia  dos  seus  vícios.  Corava  de
      antemão pela honra da minha espécie e temi que me fosse descrever todos os
      gêneros de impudência que reinam entre os Yahus do seu país; teria sido terrível a
      imagem das nossas devassidões em moda, em que a natureza não basta para os
      nossos desenfreados desejos, em que esta natureza se procura sem se encontrar,
      e  em  que  inventamos  prazeres  desconhecidos  aos  outros  animais,  vício  odioso
      para o qual só os Yahus têm tendência, e que o raciocínio não pôde banir do nosso
      hemisfério.
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