Page 299 - As Viagens de Gulliver
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trazem-nas para as suas habitações e fazem delas um montão, que ocultam
cuidadosamente e que vigiam sem descanso como um tesouro, tomando cuidado
em que os companheiros não o descubram. Não pudemos ainda compreender de
onde lhes provém tão forte tendência para estas pedras brilhantes e para que lhes
podem ser úteis; mas suponho agora que essa avareza dos seus Yahus, a que
aludiu, se encontra também nos nossos, e que é isso que os torna apaixonados
pelas pedras brilhantes.
Quis uma vez tirar a um dos nossos Yahus o seu querido tesouro; o animal,
vendo que lhe tinham arrebatado o objeto da sua paixão, desatou a gritar com
todas as forças dos seus pulmões; enfureceu-se e depois caiu em grande
fraqueza; tornou-se lânguido, não comeu, não dormiu, não trabalhou até que eu
desse ordem a um dos meus criados para lhe restituir o tesouro, colocando-o no
sítio de onde o havia tirado. Então o Yahu começou a voltar ao seu habitual bom
humor e nunca mais deixou de esconder os seus tesouros em outro ponto mais
seguro. Quando um Yahu descobre, num campo, uma dessas pedras, muitas vezes
aparece um outro que lha disputa; enquanto se agridem, vem um terceiro e
arrebata a pedra; assim finda a questão. Segundo o que me disse, as suas questões
não acabam tão depressa no seu país, nem com tão pouca despesa. Aqui, os dois
pleiteantes (se esse nome se lhes pode aplicar) ficam quites por nem um nem
outro ficar com o objeto disputado; em contrário do que acontece no seu país,
onde, pleiteando-se, se perde o que se quer ter e o que não se tem. Muitas vezes
os nossos Yahus são atacados por uma fantasia, cuja causa não podemos
perceber. Gordos, bem alimentados, dormindo em boas camas, tratados com
meiguice pelos donos, cheios de saúde e de força, caem de repente num
abatimento, num desgosto, numa negra melancolia, que os torna moles e
estúpidos. Neste estado, fogem dos seus companheiros, não comem, não saem;
parecem sonhar com o canto das suas habitações e abismar-se nos seus lúgubres
pensamentos. Para os curar dessa doença, encontrámos apenas um remédio: é
despertá-los por um tratamento um pouco rude e empregá-los em trabalhos
difíceis. A ocupação que lhes damos põe em movimento todo o seu espírito e faz
readquirir a sua natural vivacidade.
Quando meu amo me narrou este fato com pormenores, não pude deixar
de pensar no meu país, em que muitas vezes acontece a mesma coisa e em que
se vêem homens cumulados de bens e honras, cheios de saúde e de robustez,
cercados de prazeres e livres de todas as inquietações, cair de repente em tristeza
e languidez, tornar-se pesados a si próprios, consumir-se em quiméricas
reflexões, apoquentar-se, acabrunhar-se e não fazer uso algum da sua razão,
entregues aos flatos hipocondríacos. Estou persuadido de que o remédio que
convém a estas doenças é aquele que se dá aos Yahus, e que uma vida laboriosa e
árdua é um excelente regime para a tristeza e a melancolia. É um remédio que